Em entrevista à Associação Por Vias Seguras, a senadora Ana Amélia (PP-RS), presidente da Comissão de Assuntos Sociais, expõe os projetos em tramitação no Senado
Marina Lemle
O dado não é definitivo, mas estima-se que o número de mortos por acidente de moto no Brasil em 2012 tenha ultrapassado 15 mil. Em 12 anos, de 1998 a 2010, o aumento das mortes de motociclistas superou em muito o da frota de motocicletas - 610% contra 491%, respectivamente. As principais vítimas - 62% - são homens entre 20 e 39 anos, no auge de sua força produtiva. A quantidade de feridos desafia o sistema de saúde pública – 40% dos leitos de UTIs são ocupados por vítimas de motos. O custo de internações por acidentes com motociclistas pagas pelo SUS aumentou 113% em quatro anos (de 2008 a 2011), passando de R$ 45 milhões para R$ 96 milhões - ou metade das despesas com atendimento de acidentados no trânsito em geral. As internações aumentaram de 39.480 para 77.113 no período, segundo o Ministério da Saúde.
Por trás destes números, estão famílias esvaziadas, empobrecidas, dependentes da pequena indenização do seguro DPVAT e da Previdência Social. Este cenário de drama e prejuízo levou a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal a promover dois grandes debates em 2012, em maio e em setembro, com a presença de especialistas na área, para analisar o problema e buscar soluções. A expectativa é que a destinação de mais recursos para educação no trânsito e novas regras para a fiscalização e a segurança dos motociclistas possam melhorar a situação atual, retratada em detalhes pelo Senado no número especial da revista Em Discussão de novembro de 2012, intitulado ‘Explosão de motos e mortes’.
Para conhecer os projetos em tramitação, a Associação Por Vias Seguras entrevistou a senadora Ana Amélia (PP/RS), presidente da Comissão e coordenadora dos debates no Senado. Ela é autora de dois projetos sobre a questão e relatora de outros dois.
Um dos projetos que a senhora apresentou propõe que os futuros motociclistas sejam treinados nas ruas antes de receberem suas habilitações. Por que isso é importante?
O projeto de lei 454/2012 prevê que a exigência já definida por meio de resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) da obrigatoriedade de aulas práticas em vias públicas seja também consolidada em lei. A matéria determina que o Contran fixe a carga horária mínima a ser exigida para a prática de direção em vias públicas durante o processo de aprendizagem. Esse dispositivo passaria a fazer parte do texto do Código de Trânsito Brasileiro.
Na minha avaliação, trazer para a lei a exigência relativa às aulas práticas vai conferir mais força à medida, além de assegurar sua continuidade ao longo do tempo. Não se pode minimizar a possibilidade de que, por algum motivo, os membros do Contran possam retirar essa obrigatoriedade de suas próprias normas.
O que motivou a senhora a apresentar este projeto?
Apresentei o projeto após receber informações de que as autoescolas estariam treinando seus alunos, em especial na preparação de motociclistas, apenas em circuitos fechados. Desse modo, os aprendizes estarão despreparados para enfrentar os perigos das vias públicas. Não adianta você treinar em um lugar fechado, com a pista em boas condições, sem tráfego, se na hora de dirigir de verdade o motociclista enfrentará tempo ruim, ruas esburacadas, trânsito intenso e situações adversas bem diferentes do treinamento no qual foi aprovado. As aulas em circuitos fechados só se justificam até que os alunos adquiram domínio sobre os veículos. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça para ser analisado em caráter terminativo e depois seguirá para a Câmara dos Deputados.
Também tramita um projeto sobre a formação dos instrutores de trânsito. Qual a proposta?
Sou relatora na Comissão de Assuntos Sociais do projeto de lei 289/2010, de autoria do ex-senador Gilberto Goellner, que modifica a redação do inciso II do artigo 4 da Lei nº 12.302, de 2 de agosto de 2010, para alterar a qualificação exigida para o exercício da profissão de instrutor de trânsito. A proposta prevê que para lecionar em cursos de habilitação para alguma das categorias existentes seja necessária habilitação compatível ou superior àquela que está sendo lecionada, medida que, na avaliação do autor, tornará mais simples a operação dos centros de formação de condutores sem qualquer perda de sua eficiência e da proteção dada à sociedade.
A senhora também apresentou um projeto para garantir o repasse dos recursos destinados ao Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset). O que houve com este dinheiro e como ele deveria ser investido?
Segundo a ONG Contas Abertas, mais de R$ 741 milhões dos R$ 921 milhões previstos para o fundo em 2012 foram retidos pelo Tesouro Nacional. O projeto de lei 376/2012 visa impedir o contingenciamento de recursos destinados ao Funset, que deveriam ser destinados para campanhas de prevenção a acidentes. O projeto tramita na Comissão de Assuntos Econômicos, sob a relatoria do senador José Pimentel (PT-CE).
A obrigatoriedade do uso de novos equipamentos de segurança para motociclistas também está em discussão. Poderia explicar esse projeto?
O projeto de lei 404/2012, de autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), do qual sou relatora, obriga os condutores a usar um novo tipo de equipamento de proteção. Os coletes com airbag, segundo o senador, são uma invenção recente que pode proteger os motociclistas de lesões graves, especialmente no cóccix, na coluna vertebral, no peito e no pescoço. Esse colete é acionado em caso de forte impacto e um cartucho libera gás CO2, que infla a jaqueta e protege o motorista do impacto. Seria um equipamento auxiliar ao capacete, que já é obrigatório pelo código de trânsito. Devido ao preço elevado dos coletes, que varia entre cerca de R$ 800 e R$ 2,9 mil, o texto prevê a isenção, por um período de cinco anos, do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados e das alíquotas de Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para esses produtos. Após esse período a expectativa é de que a produção dos coletes seja nacionalizada e isso diminua o custo. Esse projeto tramita na Comissão de Assuntos Sociais e precisará passar também pela Comissão de Assuntos Econômicos e pela Comissão de Constituição e Justiça.
Há algum projeto voltado para aumentar a segurança das motos?
O senador Cyro Miranda (PSDB-GO) apresentou o projeto de lei 195/2012, que torna obrigatório o uso de sistema antitravamento das rodas (ABS). Esse sistema é obrigatório na Europa desde 2004 e impede o bloqueio das rodas quando o pedal do freio é pisado fortemente, evitando derrapagem e perda de controle do veículo. O projeto já foi aprovado na Comissão de Infraestrutura e agora está na Comissão de Constituição e Justiça.
E em relação às vias, há melhorias previstas?
No ano passado o senador Jorge Viana (PT-AC) apresentou o projeto de lei 346/212 que prevê que vias municipais de tráfego intenso tenham pista exclusiva para motocicletas, motonetas e ciclomotores. Nesse caso, a responsabilidade da implantação dos sistemas especiais de circulação e do controle de tráfego seria dos órgãos e entidades executivas de trânsito do município. O projeto foi aprovado na Comissão de Serviços e Infraestrutura e está na Comissão de Constituição e Justiça para ser analisado em caráter terminativo.
Explosão de motos e mortes - número especial da revista Em Discussão, do Senado, de novembro de 2012