“A Saúde cansou de enxugar gelo. Queremos fazer prevenção”
Marta Silva, coordenadora de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde, conversou com a Associação Por Vias Seguras sobre o projeto Vida no Trânsito.
Marina Lemle
O Projeto Vida no Trânsito, iniciativa interministerial brasileira para contribuir com as metas globais de redução de mortalidade no trânsito propostas pela ONU para a Década de Segurança no Trânsito (2011-2020), contemplou todas as capitais do país com recursos da ordem de R$ 12,2 milhões do Fundo Nacional de Saúde para ações de prevenção de acidentes.
Para saber como está a implantação e o desenvolvimento do projeto, a Associação Por Vias Seguras conversou com a coordenadora de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde, Marta Silva, após a sua apresentação no Fórum Segurança no Trânsito sobre Duas Rodas, evento promovido pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot) em 11 de julho, no Rio de Janeiro.
O Ministério da Saúde implantou o Vida no Trânsito em 2010 em cinco cidades. Em 2011, por ocasião do lançamento do Plano da Década de Segurança no Trânsito, em âmbito mundial pelas Nações Unidas e pela OMS, foi expandido para todas as capitais brasileiras. O recurso entrou nas contas dos municípios em dezembro de 2011, para ser executado em 2012 e 2013.
Em 2012, iniciamos com essas capitais uma série de oficinas de planejamento, para explicar metodologia, fazer capacitação e sensibilizar os gestores da saúde, porque muitos ainda acham que o trânsito não é problema deles. Temos um momento de convencimento para que os secretários de saúde, tanto de estados quanto de capitais, introjetem e coloquem na sua agenda e no seu planejamento esse desafio de fazer a prevenção dos acidentes de trânsito.
Até junho de 2013, o Ministério da Saúde fez várias oficinas, vídeos-conferência e workshops de planejamento. Foram cinco workshops regionais, por porte populacional. O último foi em Porto Alegre, onde trabalhamos com as grandes metrópoles: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília.
O trânsito se tornou um problema de saúde pública, mas, por essência, ele não é um problema de saúde. Ele se tornou um problema por ser uma das principais causas de morte, de adoecimento, de atendimento no SUS. A saúde cansou de ficar enxugando gelo e agora queremos fazer prevenção. As lesões e mortes no trânsito são multicausais e dependem de vários fatores, desde os fatores individuais e de ordem comportamental – uso do cinto e capacete, não beber e dirigir - até fatores de ordem estrutural que envolvem a questão do transporte público, do desenho da cidade, da engenharia do tráfego, da fiscalização. Quando falamos de fazer prevenção, obrigatoriamente, a saúde sozinha não consegue. Precisamos estar junto com os órgãos de trânsito, a segurança pública, o planejamento urbano. Nas três esferas de gestão - federal, estadual e municipal – a intersetorialidade é um desafio cotidiano porque as pessoas precisam desapegar dos egos, das vaidades, de partidos políticos, de disputas pessoais ou partidárias e fazer diferente. Para o trânsito, não temos uma vacina ou um remédio, como temos para febre amarela ou para meningite. Então, para trabalhar nos aspectos de ordem comportamental ou mesmo intervir nas cidades, na infraestrutura, no transporte, precisamos trabalhar com os outros setores.
O Ministério da Saúde está fazendo a sua parte no sentido de estimular esse componente de prevenção, promoção da saúde e para além do que é missão dele, de atender as vítimas de saúde com qualidade, resolutividade, e diminuir a letalidade, seja por meio da ampliação da rede de urgência e emergência, seja com a implantação de redes de prontos-socorros, de Samus, UPAs e qualificando a assistência. Mas fundamentalmente o Ministério da Saúde quer trabalhar a prevenção. E aí a responsabilidade é de todos. Para fazer prevenção, o trabalho, obrigatoriamente, é intersetorial.
São reuniões e mais reuniões. Quando o problema é de todos, é preciso ter uma comissão municipal, intersetorial, coordenada pela Prefeitura, para planejar, pensar, identificar prioridades, principais fatores de risco e grupos de vítimas vulneráveis. Uma subcomissão da gestão da informação trabalha os dados da Saúde sobre mortos e internados, dados do trânsito, dos boletins de ocorrência, dos Bombeiros e tenta fazer o que chamamos de linkage – a integração das informações para termos uma informação mais precisa, identificando quem são as vítimas - idade, ocupação, cor, escolaridade - e também, principalmente, os fatores de risco associados. A saúde tem a informação da vítima, quem morreu, quem internou. Mas se ela bebeu ou estava em excesso de velocidade, essa informação não está conosco, está na polícia. Ao integrar os nossos dados com os da polícia, identificamos onde nas cidades ocorreram os acidentes, em que dias da semana, em quais horários, quais os pontos críticos. A partir dessa informação qualificada e georreferenciada, se pretende que essa comissão intersetorial possa planejar e identificar o que precisa ser feito: campanha, intervenção de rotatória, redutor de velocidade, trabalho com escolas, trabalho com motorista de ônibus, de caminhão, motofretista, enfim, é ter dado qualificado para fazer uma ação local.
Toda a execução do projeto é até no município. O Ministério da Saúde apoia tecnicamente, repassa recursos financeiros, promove as capacitações. Além dos workshops, estamos fazendo reuniões com prefeitos, secretários de saúde, secretários municipais de trânsito, transporte, diretor do Detran, secretários de educação, para sensibilizá-los. Os desafios são imensos. Propomos que o município tenha um plano de ação com indicadores e metas, e que seja monitorado a cada três ou quatro meses e depois de um ano se faça uma avaliação para rever estratégias e intervenções. É um trabalho muito grande, mas é possível, e a gente quer fazer junto com a sociedade civil.
Ele vai para a Secretaria Municipal de Saúde. O Ministério da Saúde só pode repassar recursos para as secretarias de saúde, ou de estados ou de municípios. Então, cabe à SMS, nesta comissão, sentar com os parceiros e discutir as prioridades a partir desse diagnóstico qualificado, seguindo um plano de ação definido.
Monitoramos por meio de visitas técnicas, de acompanhamentos periódicos. 2012 foi um ano de agendas políticas, planejamento e eleições municipais. Tivemos que voltar, sentar com prefeito, com secretário, e fechar um ciclo de planejamento. Agora é o trabalho dos municípios, de campo. É nosso papel monitorar, capacitar, mas dentro dos nossos limites. A gestão é tripartite – o Ministério da Saúde tem um papel, mas não é o gestor do Sistema Nacional de Trânsito. O gestor é o Denatran, então o trabalho é feito de forma interministerial, com Ministério dos Transportes, Ministério da Justiça, Polícia Rodoviária Federal, Casa Civil. Mas, além do Governo Federal, há o governo estadual, que tem uma responsabilidade fundamental, por meio dos Detrans, da segurança pública, da Polícia Militar, do Batalhão de Trânsito, dos Institutos de Medicina Legal. Então não dá para o estado não ter sua parcela de contribuição nesse processo. E assim também o município, onde o trânsito é municipalizado. A responsabilidade é das três esferas de governo.
Das cinco primeiras cidades, temos um balanço preliminar – três já têm redução de morte, uma estabilizou, só uma ainda não diminuiu a questão das mortes no trânsito. Mas além do resultado de impacto na redução das mortes, temos pesquisas de comportamento sobre associação entre álcool e direção de vítimas que chegaram no pronto-socorro. Vimos resultado positivo comparando os inquéritos de 2009, antes da implantação do projeto, e de 2011, depois.
Os dados são públicos. Se são de 2011, é porque o Sistema de Informação de Mortalidade é gerido e alimentado pelos municípios. O banco nacional só fecha quando os municípios fecham seus dados. Recebemos as informações a partir dos atestados de óbito: a declaração de óbito gera um atestado de óbito e isso alimenta um sistema e a vigilância epidemiológica. Dependemos do município fechar a causa básica. Muitas vezes dá causa indeterminada: a pessoa morre no trânsito, vai para o IML e lá não é codificado se foi motociclista, ciclista... esse é o trabalho que a vigilância faz para qualificar a informação, para termos dados mais precisos e que expressem magnitude.
Além dos dados do DataSUS, às vezes fazemos outros cruzamentos, tanto em relação a mortalidade, como internações: números, tipos, custos. O Ministério da Saúde faz uma pesquisa em prontos-socorros, de dois em dois anos, nos serviço de urgência/emergência. Em janeiro, divulgamos os resultados da pesquisa de 2011, que diz respeito exatamente ao uso de álcool pelas vítimas de acidentes. E essa pesquisa mostrou uma realidade com a qual não estávamos muito preocupados, que são os pedestres e ciclistas embriagados.
O Rio fez parte deste último grupo que entrou no workshop de planejamento, participaram cerca de seis pessoas, da CET-Rio, da Universidade, da Secretaria de Saúde. O desafio agora é aplicar a metodologia de gabinetes integrados e informação integrada, numa estratégia de parceria e proatividade que tem como mentora a Global Road Safety Partnership (GRSP), uma ONG internacional. Agora, os municípios têm que começar a caminhar com suas pernas, com o Ministério apoiando e capacitando.
Queremos salvar vidas e a mensagem é essa, pela cultura de paz. É necessário trabalhar desde a pré-infância, pensando nos novos cidadãos. E quem já tem 40, 50, 70 anos precisa de fiscalização. Então: educação, fiscalização, cultura, é isso!
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