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Habilitação deve melhorar

O processo de habilitação de motociclistas não leva a um treinamento suficiente para lidar com as situações reais.

Artigo publicado pelo Senado na revista « Em discussão », em número especial, com título « Explosão de motos e mortes » de Novembro 2012 (página 60).

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O processo de habilitação de motociclistas, que não leva a um treinamento suficiente para lidar com as situações reais, é alvo de críticas dos especialistas. Sem mais horas de aula e um exame prático que avalie as habilidades necessárias dos futuros motociclistas, os especialistas ouvidos sobre o assunto acreditam que condutores despreparados vão continuar a alimentar as terríveis estatísticas de mortos e acidentados.

Magnelson Carlos de Souza, presidente da Federação Nacional das Autoescolas/Centro de Formação de Condutores (Feneauto), reconhece que o treinamento dos motociclistas “está muito ruim”, embora tenha melhorado após o novo código. Ele atribui a maior parcela de responsabilidade pela situação aos Detrans estaduais, que descumprem a Resolução nº 285/08 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).

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“A partir de 1º de janeiro de 2009, todo candidato à habilitação teria carga horária aumentada. O curso teórico/técnico passou de 30 horas para 45 horas. A prática de direção veicular passou de 15 horas para 20 horas. A resolução centrou atenção nos veículos de duas rodas, afirmando que, nas aulas práticas, só após o candidato ter pleno domínio do veículo na via confinada, fechada, ele deve ir para a via pública. Isso está em vigor desde 2009 e não acontece no Brasil”, denuncia o presidente da federação.

Outras imposições da norma, como a padronização das pistas de exame e o banco de questões sobre motocicletas, também estariam sendo descumpridas. “Nenhum estado está praticando a aula em via pública. As autoescolas são reflexos do que é o Detran. Se o Detran fiscaliza e exige, o saldo é positivo. Se não, nada acontece. É necessário que os Detrans façam a sua parte, cumpram as normas”, complementa.

Segundo Heloísa Martins e Eduardo Biavati, no estudo Mortos e Feridos sobre Duas Rodas, apenas 7% dos motofretistas da cidade de São Paulo aprendem a pilotar em cursos formais. Quase a metade dos motociclistas em geral (49,4%) diz ter aprendido sozinha, enquanto 36,6% aprenderam com amigos e parentes (veja infográfico nesta página). Os dados demonstram que, por melhores que se tornem os cursos, será necessário mudar a cultura para impedir que os hábitos prejudiciais à segurança do trânsito continuem a se reproduzir.

Currículo

Para Valter Ferreira da Silva, presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindimoto-RS), o sistema atual não prepara o piloto para a realidade do trânsito, mas “coloca o motociclista na rua para ser um camicase”.

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Felipe Carmona, advogado especialista em trânsito, alerta que “as atividades oferecidas são totalmente diversas do cotidiano enfrentado pelo piloto e o curso de prática de direção veicular, de 20 horas/aula, se mostra ineficaz”. Para Carmona, os cursos não autorizam o motociclista a sair com a Carteira Nacional de Habilitação e pilotar na rua de forma adequada.

Eugênio Paceli Hatem Diniz, pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), afirma que os cursos não oferecem o conteúdo necessário aos motociclistas. “Os cursos têm que orientar sobre planejamento temporal das rotas, competências para prevenir acidentes. Quem tem esse conhecimento é o motociclista que trabalha na rua o dia todo. Então, ele também tem que estar na sala de aula orientando os colegas inexperientes”, sugere o especialista da Fundacentro.

José Eduardo Gonçalves, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), pediu que os motociclistas recebam noções de pilotagem defensiva (frenagem, curvas, troca de marcha etc.), com métodos já aplicados por órgãos públicos e fretistas, por exemplo.

Gisele Flores, jornalista e fundadora do Instituto Sobremotos, de Porto Alegre, concorda que também é preciso oferecer noções sobre os diferentes tipos de veículos, não apenas das motocicletas.

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Instrutores

Quanto à qualificação dos instrutores, a Resolução Contran 358/10 prevê a reciclagem do instrutor a cada cinco anos, a partir de 2015. Segundo José Eduardo Gonçalves, a última reciclagem de instrutores aconteceu em 1999 e não teve caráter reprobatório, o que compromete a qualidade das aulas para o candidato a piloto.

Além disso, para o representante da Abraciclo, a Resolução 358/10 dedica pouquíssimas horas dos cursos de reciclagem ao ensino prático. A entidade propõe a criação da especialidade “instrutor de motocicleta”, o aumento da carga horária do curso de formação com inclusão da parte prática e o incremento da parceria entre os centros de formação de condutores e montadoras para reciclar e aprimorar os profissionais.

Na rua

Valter Ferreira da Silva apela para que o aprendiz tenha acesso à rua: “Há riscos em colocar um aluno na rua, mas esse risco continua quando a carteira é entregue e ele está despreparado pela falta de contato com o trânsito. O motociclista não tem contato com a chuva, não usou os freios devidamente, não sabe fazer uma ultrapassagem”, argumenta.

Dirceu Rodrigues Alves Júnior, diretor de comunicação da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), não concebe que o treinamento e a prova sejam feitos em um ambiente fechado e se conceda a CNH. “O sujeito sai dali e entra no trânsito para aprender como se faz, sem fiscalização e sem equipamentos de proteção individual”, alerta.

José Eduardo Gonçalves abordou ainda a questão da padronização dos locais de prova. Segundo ele, em cada cidade existe um circuito diferente, o que não contribui para instituir um padrão de formação desejável. A Abraciclo sugere a padronização nacional da pista de treinamento e a introdução de novos exercícios, em especial sobre técnicas de frenagem.

As provas teóricas também foram duramente criticadas. “Hoje, os exames de habilitação têm questões focadas em veículos de quatro rodas. A moto entra de passagem. O exame deveria ser focado em comportamento, segurança, direção defensiva. A preocupação deve ser com o conhecimento e a capacidade de condução”, afirma o representante da Abraciclo.

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Examinadores

A Resolução 358/10 do Contran, que estabelece, entre outros requisitos, que o examinador tenha curso superior completo e curso específico para a atividade, foi questionada. Para Gonçalves, em decorrência dessas exigências, “o examinador de trânsito, hoje, é uma figura rara, difícil de ser encontrada no interior. Se a legislação for cumprida, ele deve ser funcionário público com nível superior. Só que o salário é de R$ 700. É difícil encontrar um profissional que se alinhe a esse tipo de exigência”.

O diretor-executivo da entidade que reúne os fabricantes pediu aos senadores, durante os debates da CAS, que revejam o Código de Trânsito Brasileiro para flexibilizar os requisitos para os examinadores, em especial visando às cidades menores que, segundo ele, têm dificuldades em formar e pagar esse profissional.

Reciclagem

José Eduardo Gonçalves defende também a ideia de que os condutores precisam passar por reciclagens mais rígidas. O reexame deveria considerar a questão física e mental, especialmente para quem é reincidente, e também observar de perto o infrator contumaz. Uma das principais medidas sugeridas é eliminar a reciclagem a distância para o condutor com infrações graves e carteira suspensa, hoje permitida pelo Contran, e suspender imediatamente habilitações dos pilotos que tenham excedido o limite de pontuação na carteira.

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Categorias de habilitação podem mudar

O Código de Trânsito Brasileiro prevê cinco categorias de habilitação, de A a E. Na categoria A, são licenciados os condutores de veículos de duas a três rodas; na B, os condutores de automóveis e assim por diante, em função do peso e do número de passageiros transportados em cada veículo.

No Senado, tramitam dois projetos, ambos de 2007, que sugerem mudanças nessas categorias. No PLS 548/07, o senador João Durval (PDT-BA) propõe a criação de uma categoria de habilitação exclusiva para condutores profissionais de veículo motorizado de duas ou três rodas, a categoria F. Seriam exigidos do candidato requisitos como estar habilitado há pelo menos um ano na categoria A e não ter cometido infração grave ou gravíssima ou reincidido em infrações médias nos 12 meses anteriores. “São medidas que buscam resguardar a segurança dos usuários dessa modalidade de transporte”, explica Durval.

Já o PLS 550/07, do ex-senador Gilvam Borges (PMDB-AP), exige que o candidato à categoria A esteja habilitado há, no mínimo, um ano na categoria B ou superior e que não tenha cometido infração grave ou gravíssima, nem seja reincidente em infrações médias nos doze meses anteriores. Os projetos estão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Divisões internas

José Eduardo Gonçalves, da Abraciclo, defendeu a volta das subdivisões da categoria A de habilitação, em função do volume do motor (medido em centímetros cúbicos, ou cilindradas). “Deveria haver a divisão de categorias, a volta à A1, A2 etc. Conduzir uma moto de baixa cilindrada é diferente de conduzir uma de alta, exigindo outro tipo de capacitação. Hoje, o motociclista sem experiência entra na loja, compra uma moto de 1.600 cilindradas e sai andando, correndo toda sorte de perigos. Não sei por que acabou, mas lutamos muito para que a divisão por categorias volte a existir”, defende Gonçalves. Segundo essa proposta, o motociclista iria trocando de licença, conforme o volume do motor da moto que desejar pilotar. Essa posição foi defendida também por Gisele Flores, do Instituto Sobremotos.

 

Código fixa níveis de responsabilidade

O Código de Trânsito Brasileiro atribui a vários órgãos — federais, estaduais e municipais — a responsabilidade por fazer cumprir a legislação de trânsito. São instâncias normativas, consultivas e executivas, que devem trabalhar integradas para que as ações surtam efeito e as leis sejam cumpridas pelos que se locomovem na via pública.

Nessa cadeia de responsabilidade, cabe aos estados garantir o cumprimento dos dispositivos do CTB e das exigências da legislação vigente, “devendo providenciar condições organizacionais, operacionais, administrativas e pedagógicas, em sistema informatizado, por meio de rede nacional”.

Nos municípios, o órgão de trânsito tem função basicamente executiva, devendo “planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito”, sinalizar as vias, fiscalizar, aplicar multas e penalidades, colher dados estatísticos.

Isso vale também para os veículos de duas rodas. Enquanto o Contran define os currículos para as motoescolas e as normas para habilitação e expedição de documentos, a responsabilidade pela execução da formação de condutores cabe aos órgãos de trânsito dos estados e do Distrito Federal e às instituições credenciadas por eles. É o que reza a Resolução 358/10 do Contran, que estabelece também como obrigações desses órgãos a formação de instrutores e examinadores.

Quanto à prestação de serviços de motofrete, mototaxista e motoboy, a própria Constituição (artigo 30) atribui aos municípios a regulamentação dos serviços públicos de interesse local.

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palavras-chave: motociclista, habilitação, regulamentação

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