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A culpa do atropelamento não é sempre do pedestre ou do condutor

Extratos de uma pesquisa da rede SARAH sobre os acidentes com pedestres

Diferentemente do que concebe o senso comum, os acidentes de trânsito não são em sua totalidade “democráticos”, no sentido de atingirem de forma equânime a todos os segmentos sociais. Nos atropelamentos, a acentuada representatividade de setores menos favorecidos dentre os que se locomovem sem uso de veículo, já demonstra em si uma maior exposição de grupos de menor poder aquisitivo. Estudos realizados no Tennessee (EUA)(33), Maine (EUA)(34) e Montreal (Canadá)(35) indicam que o risco do atropelamento é inversamente proporcional ao status socioeconômico das vítimas. Nestes estudos, crianças pobres provaram-se em risco de duas a três vezes maior de adquirir lesões como pedestres do que as não-pobres. A maior parte dos estudos sugere que, independentemente do grau de pobreza, os aspectos comportamentais das crianças pesquisadas têm pouca ou nenhuma influência no risco(36). Uma ênfase maior é direcionada ao meio físico em que viviam os grupos pesquisados como um importante fator e como um dos principais determinantes para o crescente número de atropelamentos em áreas de mais baixo status socioeconômico. Essas áreas têm maior probabilidade de apresentar um trânsito mais denso; maior média de velocidade permitida e praticada; menor número de equipamentos; menor controle do tráfego; e menos alternativas que não a rua como local para entretenimento(37).

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 Alguns autores condenam, ainda, a demasiada simplificação do problema ao computar-se a ocorrência dos acidentes à mera negligência de pedestres e/ou condutores em detrimento da avaliação do meio em que os atropelamentos se dão(43). Não obstante os atropelamentos adquirirem contornos mais graves nos países em desenvolvimento, a insegurança e desconforto no deslocamento de pedestres ocorrem em países como os EUA, onde também são observadas a inadequação do sistema de tráfego(44, 45, 46) e a flagrante forma com que a engenharia de tráfego sacrifica a segurança dos pedestres em prol da fluidez dos veículos(47). Um claro exemplo é o alargamento/duplicação de vias, entre as medidas comumente adotadas pra otimizar o fluxo viário, favorecendo a elevação de velocidades praticadas (conforme demonstrado em estudos(48), há uma relação positiva clara entre largura da via e velocidade imprimida pelos motoristas).

 Os tradicionais cânones da segurança no trânsito são pródigos em apontar em seus manuais a “falha humana”, inerente a motoristas, pedestres, ciclistas etc., como os responsáveis pela quase totalidade dos acidentes. Estando o “humano” da falha associado aos usuários da via pública, o espaço viário, embora artificialmente produzido, assume um caráter técnico “sobrehumano”, não-subjetivo, e, muitas vezes, supostamente a-político. VASCONCELOS49, assinala a imagem de especialização tecnológica associada ao metier dos profissionais da engenharia, o que lhes outorga certa aura de precisão e objetividade, quando de fato, os técnicos submetem seus esforços à produção de um espaço não necessariamente seguro, mas que atenda aos interesses dos setores mais influentes.

 A culpa que o pedestre atribui ao motorista por não tê-lo visto ou a culpa que o motorista atribui ao pedestre pela mesma causa, podem estar diretamente relacionadas às condições de iluminação e de sinalização, aos diversos obstáculos do espaço de circulação, à concepção da via ou geometria viária inadequada, permitindo ou incentivando práticas de velocidade incompatíveis, e assim por diante.

 A hipótese de que, em várias situações, os atropelamentos derivem de falhas ou equívocos estruturais de engenharia e, ainda mais importante, de opções tácitas pelo privilegiamento do fluxo de veículos motorizados no espaço urbano, encontra respaldo no fato de que 75,0% dos pedestres internados na Rede SARAH não faziam uso de facilidades para pedestres (fossem faixas, semáforos, passarelas, passagens subterrâneas etc.) na ocasião do atropelamento, pelo fato de que, de acordo com os relatos desses pacientes, em 73,0% dos casos não existiam facilidades para pedestres no local do acidente.

Referências

33 Rivara F. P. e Barber, M. Demographic analysis of childhood pedestrian injuries. Pediatrics 76:375-381: 1985 apud Rivara, F. P. Child Pedestrian Injuries in the United States AJDC – Vol.144, June 1990. p.693

34 Neresian WS, Petit MR, Shaper, R, et al. Childhood Death and Poverty: A study of all chilhood deaths in Maine, 1976 to 1980. Pediatrics. 1985; 75:41-50 apud Rivara, F. P. Child Pedestrian Injuries in the United States AJDC – Vol.144, June 1990. p.693.

35 Pless, I. B. ; Verrault , R. ; Arsenaul, L.; Frappier, J. Stulginskas, J. The Epidemiology of road accidents in childhood. Am. J. Public Health. 77:358-360; 1987 apud Rivara, F. P. Child Pedestrian Injuries in the United States AJDC – Vol.144, June 1990. p.693.

36 Langley J., Silva P. A. e Williams, S. A study of the relationship of ninety background, developmental, behavioural and medical factors of childhood accidents. Aust Pediatr. 1980;16:244-247 apud Rivara, F. P. Child Pedestrian Injuries in the United States AJDC – Vol.144, June 1990. p.693.

37 Rivara F. P. and Barber, M. Demographic analysis of childhood pedestrian injuries. Pediatrics 76:375-381: 1985 apud Rivara, F. P. Child Pedestrian Injuries in the United States AJDC – Vol.144, June 1990. p.693.

38 The Insurance Institute for Highway Safety. Questions & Answers. Pedestrians (www.hwysafety.org), captura em 22/02/2000)

39 The Insurance Institute for Highway Safety. Questions & Answers. Pedestrians (www.hwysafety.org), captura em 22/02/2000)

40 Howarth C., Gunn M.J. Pedestrian safety and the law Environment. In: Chapman A. J. Foot H.C., Wade F.M .(eds). Pedestrian Accidents. Chinchester, England: John Wiley & Sons Ltd. 1982. pp.265-290

41 Rivara, F. P. Child Pedestrian Injuries in the United States AJDC – Vol.144, June 1990. p.694.

42 Brown, I. D. Driver Behaviour. In: Chapman A. J. Foot H.C., Wade F.M .(eds). Pedestrian Accidents. Chinchester, England: John Wiley & Sons Ltd. 1982. p.134.

43 Guyer, B., Talbot A.M., Pless, I. B. Pedestrian Injuries to Children and Youth. Pediatr. Clin. North Am. 32(2). 1985. p.164

44 Malek. M., Guyer, B. and Lescohher, I. The Epidemiology and Prevention of Child Pedestrian Injury. Accident Analysis and Prevention. Vol. 22, No 4 1990. MIMEO. p. 301

45 Guyer, B., Talbot A.M., Pless, I. B. Pedestrian Injuries to Children and Youth. Pediatr. Clin. North Am. 32(2). 1985. p.163.

46 Brown, I. D. Driver Behaviour. In: Chapman A. J. Foot H.C., Wade F.M .(eds). Pedestrian Accidents. Chinchester, England: John Wiley & Sons Ltd. 1982. p.134.

47 "With few exceptions, streets, highways, and motor vehicles have been engineered to promote more efficient transportation rather than protect the safety of pedestrians (...)". Guyer, B., Talbot A.M., Pless, I. B. Pedestrian Injuries to Children and Youth. Pediatr. Clin. North Am. 32(2). 1985. p.163.

48 Vasconcelos, E. Reavaliando os acidentes de trânsito em países em desenvolvimentos in Revista dos Transportes Públicos – ANTP – ano 6 – 1994 – 3o Trimestre. São Paulo. 1994

49 Vasconcelos, E. Reavaliando os acidentes de trânsito em países em desenvolvimentos in Revista dos Transportes Públicos – ANTP – ano 6 – 1994 – 3o Trimestre. São Paulo. 1994

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