Além das perdas irreparáveis para a família das vítimas, os custos oneram toda a sociedade, que sustenta, com o pagamento de impostos e contribuições, o sistema de saúde pública, responsável por grande parte do socorro às vítimas.
Artigo publicado pelo Senado na revista « Em discussão », em número especial, com título « Explosão de motos e mortes » de Novembro 2012 (página 23).
De acordo com o Relatório do Estado Global sobre a Segurança nas Estradas, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2009, o Brasil respondeu por 2,75% (35 mil em 1,27 milhão) das mortes em 178 países no ano de 2004, o dado mais recente utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O mesmo estudo revela que esses acidentes representaram um custo global anual de US$ 518 bilhões. Fazendo-se uma compilação de ambas estatísticas, é possível estimar, portanto, que a fatia do Brasil nessa conta seria de US$ 13,9 bilhões (cerca de R$ 29,6 bilhões). Além das perdas irreparáveis para as famílias das vítimas, os custos oneram toda a sociedade, que sustenta, com o pagamento de impostos e contribuições, o sistema de saúde pública, responsável por grande parte do socorro às vítimas.
O Brasil ainda não produziu um estudo abrangente que fixe o custo econômico e social que as mais de 40 mil mortes e as centenas de milhares de feridos no trânsito causam ao país, e tampouco específico sobre os motociclistas vitimados. Os dados que mais perto chegam de um quadro realista foram trazidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), em dois levantamentos (2003 e 2006), tratando respectivamente dos acidentes nas cidades e nas rodovias.
Nos dois casos, foram computadas perdas com produção, associada à morte das pessoas ou interrupção de suas atividades, seguido dos custos de cuidados em saúde (pré-hospitalar, hospitalar e pós-hospitalar, remoção e traslado) e os prejuízos materiais, associados aos veículos danificados ou destruídos, entre outros. No estudo Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas, realizado entre 2001 e 2003, a conclusão do Ipea é de que as perdas anuais relativas aos acidentes de 2002 foram de R$ 5,3 bilhões (a preços de abril de 2003). A pesquisa estimou, ainda, os custos médios unitários de cada incidente: R$ 3,3 mil, para os acidentes de trânsito sem vítimas; R$ 17,5 mil, para os acidentes com feridos; e R$ 144,5 mil, para cada morte.
Em dezembro de 2006, o Ipea divulgou seu segundo estudo, mensurando o custo anual dos acidentes de trânsito nas rodovias: R$ 22 bilhões, a preços de dezembro de 2005 — 1,2% do PIB brasileiro.
A pesquisa, em parceria com o Denatran e a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), usou dados dos dois anos anteriores. No caso dos acidentes rodoviários, o Ipea estimou os custos individuais em R$ 1.040 por vítima sem ferimentos, R$ 36,3 mil para os feridos e R$ 270,1 mil por vítima fatal.
Graças aos registros do sistema de informações hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), é possível saber com considerável precisão o número de mortos por acidentes de trânsito e, mais especificamente, de motocicletas. Já as vítimas não fatais são de difícil mensuração. “A subnotificação aqui é certamente gigantesca, mas se aceitarmos os números oficiais de feridos internados, teremos aproximadamente para cada 1 morto, cerca de 20 a 25 motociclistas sobreviventes no Brasil”, diz Eduardo Biavati, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em segurança no trânsito.
Quantos desses sobreviventes ficam com alguma sequela gravemente incapacitante?
O Brasil tampouco tem dados confiáveis neste quesito, mas Biavati citou as estimativas “sólidas e aceitas internacionalmente” dos Centros para Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. “Nos EUA, com todo o aparato de resgate e atendimento, cerca de 30% das vítimas do trânsito sobrevivem com sequelas gravemente incapacitantes, principalmente lesões cerebrais e medulares”, informa o professor. Se transportarmos esta proporção para o Brasil, seriam pelo menos 80 mil motociclistas incapacitados fisicamente por ano. Por mais assustador que o número possa parecer, ele está bem dentro da realidade. Afinal, o seguro DPvat relata ter pago, em 2011, 239.738 indenizações por incapacidade permanente para vítimas do trânsito. Se um em cada quatro mortos é motociclista, isso daria pelo menos 60 mil indenizações para quem estava de moto.
“A maior parte das vítimas de acidentes e violências sobrevive a esses eventos, demandando atenção dos serviços de saúde. Na última década, a título de exemplo, para cada morto em acidente de trânsito no Brasil, as estatísticas oficiais registraram cerca de 13 feridos. Em números absolutos, com todo o aparato de resgate e atendimento, cerca de 30% das vítimas do trânsito sobrevivem com sequelas gravemente incapacitantes, principalmente lesões cerebrais e medulares”, informa o professor. Se transportarmos esta proporção para o Brasil, seriam pelo menos 80 mil motociclistas incapacitados fisicamente por ano. Por mais assustador que o número possa parecer, ele está bem dentro da realidade. Afinal, o seguro DPvat relata ter pago, em 2011, 239.738 indenizações por incapacidade permanente para vítimas do trânsito. Se um em cada morto é motociclista, isso daria pelo menos 60 mil indenizações para quem estava de moto.
“A maior parte das vítimas de acidentes e violências sobrevive a esses eventos, demandando atenção dos serviços de saúde. Na última década, a título de exemplo, para cada morto em acidente de trânsito no Brasil, as estatísticas oficiais registraram cerca de 13 feridos. Em números absolutos, mais de 3,3 milhões de pessoas sobreviveram aos acidentes de trânsito, requerendo, em maior ou menor grau, assistência médico-hospitalar”, complementa Luiz Guilherme Nadal Nunes, estatístico do Centro Nacional de Controle de Qualidade da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, uma das maiores do mundo (1.639.451 de atendimentos a pacientes em 2010).
Na Rede Sarah, informa Nunes, os acidentes de trânsito foram responsáveis por 760 internações no primeiro semestre do ano passado (45,5% do total por causas externas). Dessas internações, 45,8% eram de motociclistas acidentados. Neste grupo, a maioria é do sexo masculino (87,9%), solteiros (66,1%), seguidos de casados (29,9%), com escolaridade até o ensino fundamental (43,4%) e moradores em área urbana (81%).
O Ministério da Saúde divulgou estatísticas mostrando que o custo de internações por acidentes com motociclistas pagas pelo SUS aumentou 113% em apenas quatro anos (2008—2011), passando de R$ 45 milhões para R$ 96 milhões — ou metade das despesas com atendimento de acidentados no trânsito em geral. O crescimento acompanha o aumento das internações que passou de 39.480 para 77.113 hospitalizados no período.
“O Brasil está definitivamente vivendo uma epidemia de acidentes de trânsito e o aumento dos atendimentos envolvendo motociclistas é a prova disso. Estamos trabalhando para aperfeiçoar os serviços de urgência no SUS, mas é inegável que essa epidemia está pressionando a rede pública”, admitiu o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ao divulgar os dados.
Os números do Ministério da Saúde são recebidos com cautela pelos especialistas ouvidos no Senado. Um levantamento do Departamento de Medicina Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), por exemplo, estimou em US$ 98 milhões por ano o custo dos acidentes de motocicleta apenas na cidade de São Paulo.
Na avaliação de Eduardo Biavati, esse total de despesas divulgado pelo SUS não é uma referência precisa acerca da gravidade da situação. Segundo o especialista, o baixo valor pode indicar, tão somente, o inadequado padrão de atendimento que se pode oferecer ao cidadão. “Um longo e custoso processo de tratamento e cuidado de fraturas complexas de membros inferiores (sempre a área mais machucada em motociclistas) que imobilizaria por meses um leito escasso na rede pública, pode ser drasticamente reduzido por uma amputação de uma ou das duas pernas do motociclista, a título de exemplo hipotético”, justifica.
Para se ter uma noção mais firme sobre a longa duração de dependência e a incapacitação física resultante dos acidentes sobre duas rodas, acredita Biavati, outros dados são mais relevantes do que aqueles divulgados pelo Ministério da Saúde.
“Seria mais importante indicar o crescimento da despesa em um período determinado, os tempos médios de internação, como uma medida da imobilização dos leitos públicos, comparando-se motociclistas e outras vítimas (pedestres, condutores, passageiros, ciclistas) e a proporção de motociclistas com lesão cerebral e amputações de membros inferiores em relação ao total de casos de trânsito”, enumerou.
De todo modo, a rede pública é um destino certo do motociclista ferido no trânsito no Brasil pelo simples fato de que é para algum dos hospitais gerais de referência que o resgate está orientado a transportá-lo.
“Se os ferimentos do motociclista levarem a uma internação maior do que 24 horas e, especialmente, maior do que sete dias, é provável que ele tenha sofrido politraumatismos graves, amputações e, talvez, neurotraumas — lesão cerebral especialmente — significativos. Em todas as situações, é a rede pública de saúde que arcará com o ônus integral do cuidado dessa vítima, tenha ou não a vítima o melhor plano de saúde privado que o dinheiro pode comprar”, explica Biavati.
Para enfrentar o problema, a Rede Saúde Toda Hora, criada pelo governo federal tendo como meta melhorar o atendimento pelo SUS aos usuários em situação de urgência, incorporou a prevenção das lesões e mortes no trânsito como prioridade na rede de urgência (tanto a rede móvel, que é o Samu, como o serviço hospitalar), a abertura de novas unidades de pronto-atendimento (UPAs) e outros serviços, disse no Senado a coordenadora da Área Técnica de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde, Marta Maria Alves da Silva.
O senador Paulo Davim (PV-RN), como médico, também foi testemunha dessa epidemia a que se refere o ministro Alexandre Padilha. Para ele, falta fiscalização do trânsito para reduzir o número de mortos e feridos.
“O acidente de moto é um prejuízo muito grande, não traz prejuízos só para a vítima, mas financeiros para o SUS. Além das internações, há os pacientes que foram atendidos e receberam alta. Tampouco está contabilizado o paciente que recebeu benefícios da Previdência, o gasto com a recuperação, com fisioterapia, além do prejuízo social por conta de um cidadão que deixou de trabalhar, de produzir”, avalia o senador.
Mais ainda do que os acidentes de automóvel, uma queda de motocicleta dificilmente passa impune. As estimativas indicam que as chances de morte são 20 vezes maiores, 60 vezes maiores se a pessoa não estiver usando o capacete (veja o infográfico à pág. 20). Dirceu Rodrigues Alves Junior, diretor de Comunicação da Abramet, disse no Senado que os traumatismos cranianos nos motociclistas correspondem a 25%, mas o comprometimento dos membros inferiores lesões graves e gravíssimas — corresponde a 73%. De acordo com Ricardo Xavier, diretor-presidente da seguradora Líder DPvat, que administra o seguro, 25% das indenizações pagas por invalidez foram por perda funcional de um dos membros inferiores. Outros 12%, por um dos membros superiores.
“Um indivíduo que cai da moto vai ter lesões complicadíssimas nos membros inferiores. Chega ao hospital faltando tecido, perdido no asfalto, com infecção, precisando fazer enxertos, tratamentos cirúrgicos múltiplos, aumentando o custo da hospitalização”, informou o médico. Pós-graduado em Medicina do Trabalho e Medicina de Tráfego, Dirceu critica alterações do Conselho Nacional de Trânsito nos equipamentos obrigatórios de proteção. “Retirou a queixeira, a viseira e desprotege a face, local de maior impacto num acidente. E permite que o indivíduo ande de capacete, mas de calção, de chinelo, sem chinelo, sem outra proteção”.
Como revela Luiz Guilherme Nadal Nunes, da Rede Sarah, no primeiro semestre de 2011 as vítimas de acidentes de moto que chegaram às unidades apresentaram, predominantemente, lesões medulares, lesões ortopédicas e lesões cerebrais, representadas, em sua quase totalidade, por traumatismos crânio-encefálicos. As paraplegias foram responsáveis por 70,6% do total de casos registrados de lesão medular. A maior incidência de casos de lesões decorrentes de acidentes de trânsito ocorreu entre os 15 e os 39 anos (73,6% dos casos).
Para o senador Waldemir Moka (PMDB-MS), que é médico, o Brasil precisa preparar a prevenção e, sobretudo, a área de atendimento à saúde, porque, quando não se usa capacete, na maioria das vezes um traumatismo craniano ou é fatal ou vai deixar sequelas que vão complicar a vida das pessoas. “Se não tiver um centro cirúrgico, uma UTI, não salva o paciente! E o que tem acontecido? O Samu socorre, o paciente chega à urgência, e não há estrutura! Quer dizer, você salva uma vida, mas a perde em seguida, porque o atendimento não tem continuidade, porque os serviços não estão preparados”, lamenta Moka.
O presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), José Mário Meira Teles, professor na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, também não se conforma com os números da epidemia e concorda com Moka em relação à falta de estrutura da rede pública para socorrer as vítimas.
“Fico impressionado quando vou a São Paulo e ouço pelo rádio, às 9 horas da manhã, que 35 acidentes de motos já haviam sido registrados. Durante dois anos no interior da Bahia, em Ribeira do Pombal, num hospital terceirizado, os jovens chegavam ao pronto socorro sem capacete, sem nenhum tipo de habilitação. Muitas vezes vi jovens de 13, 14, 15 anos com traumatismo craniano grave. Mas não havia um centro de trauma especializado”.
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