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Brasil: a maior frota de veículos do mundo sem controle de segurança

Inspeção Técnica Veicular, prevista no Código de Trânsito Brasileiro desde 1968, ainda não foi regulamentada

Marina Lemle

Em 06 de junho de 2012, um caminhão carregado de bobinas de aço tombou no bairro Sion, em Belo Horizonte. A carga atingiu oito carros, matando três pessoas. O motorista diz que perdeu o freio.

Em 22 de setembro de 2004, um ônibus escolar com problemas mecânicos caiu numa barragem na cidade gaúcha de Erechim. Dezessete estudantes morreram afogados.

Muitos acidentes graves são provocados pelo mau estado de conservação dos veículos, mas, com frequência, a responsabilidade recai sobre o condutor. A realidade acaba sendo mascarada por distorções estatísticas geradas por registros equivocados das causas dos acidentes.

De acordo com o engenheiro Rubem Penteado de Melo, diretor da empresa de Inspeção Técnica Veicular Transtech Ivesur Brasil, a imprudência e a imperícia dos motoristas certamente participam da maior parte dos acidentes, mas muitos fatores ligados à condição de segurança do veículo que passam despercebidos podem ser a verdadeira causa do acidente.

“Muitos registros da mídia trazem: ‘o motorista perdeu o controle’ ou ‘o caminhão perdeu o freio’, como se isso fosse uma condição natural de veículos de carga ou obra do acaso. E não é”, afirma.

A Inspeção Técnica Veicular (ITV) apareceu pela primeira vez no Código Brasileiro de Trânsito (CTB) em 1968, mas nunca foi devidamente adotada - nem com suas reedições em 1995 e 1996, nem com os artigos 104 e 131 do novo CTB de 1997. Segundo Penteado, a retirada de circulação de veículos inseguros para obrigá-los a executar a manutenção necessária resultaria na redução do número de acidentes.

“Como explicar às mães das vítimas que a inspeção teria detectado o veículo com problemas e evitado a tragédia?”, questiona.

Diz o Artigo 104 do CTB que a inspeção será obrigatória, na forma e periodicidade estabelecidas pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), para os itens de segurança, e pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), para emissão de gases poluentes e ruído. Porém, a ITV ainda não foi regulamentada pelo Contran. Assim, algumas cidades implementaram a inspeção da emissão de gases poluentes e ruído estabelecida pelo Conama, como São Paulo e Rio de Janeiro, mas a Inspeção Técnica Veicular que deve verificar a segurança dos veículos ainda espera por definição da "forma e periodicidade" pelo Contran.
Hoje são inspecionados veículos que transportam produtos perigosos, atendendo ao Decreto 96.044/88, e aqueles que sofreram alguma modificação, conforme previsto pelo artigo 106 do CTB (Resolução Contran 292/08), ambas atividades devidamente regulamentadas pelo Inmetro e o Contran. Também são inspecionados ônibus rodoviários, para atender a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e veículos que transitam pelo Mercosul, em função de acordo entre os países membros. A fiscalização existe apenas para esses casos.

De acordo com o engenheiro, além da inspeção para verificação da emissão de poluentes definida pelo Conama, poucos veículos passam por algum tipo de inspeção periódica no Brasil. “A maior conseqüência é, nesse momento, ostentarmos o ‘título’ de maior frota de veículos do mundo ainda sem controle de sua segurança, e os reflexos são percebidos diretamente nos números crescentes de acidentes e vítimas no trânsito”, afirma.

Penteado explica que o Brasil tem a quarta maior frota do mundo, com 64.817.000 veículos, perdendo apenas para os EUA, China e Japão, que controlam sua frota, donde se pode concluir que o Brasil tem a maior frota do mundo sem inspeção veicular.

Por Vias Seguras entrou em contato com o Contran para saber por que a inspeção para os itens de segurança ainda não foi regulamentada. Segundo a assessoria de comunicação do Ministério das Cidades, que responde pelo Denatran e o Contran, o artigo 104 do CTB, que trata da ITV, foi regulamentado através da Resolução nº 27, de 21 de maio de 1998, e da Resolução 84/98, mas ambas foram suspensas através da Resolução nº 107, de 21 de dezembro de 1999. O motivo seria a insuficiência do prazo para elaboração da nova adequação da forma de inspeção de segurança veicular.

No Congresso, o Projeto de Lei 5979/01, que acrescenta o artigo 66-A e altera a redação do caput do artigo 104 do CTB, estabelecendo normas referentes à ITV, está parado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados desde 07 de julho de 2009. Já na Câmara Temática de Assuntos Veiculares (CTAV) do Contran tramita o processo 80000.058544/2010-80, que trata da minuta de resolução que estabelece a forma e as condições de implantação do Programa de Inspeção Técnica Veicular.

Segundo o Contran, não há diferença entre as duas propostas no que diz respeito à forma e aos itens a serem inspecionados. “O que se discute é se a concessão dos serviços deveria ser centralizada no Denatran, conforme o PL 5.979/01, ou regionalizado de forma que os Detrans gerenciem o sistema, de acordo com a proposta que tramita na CTAV”, esclarece a assessoria.

Diz o órgão que a implantação da Inspeção Técnica Veicular é uma das metas do Plano Nacional de Redução de Acidentes e Segurança Viária para a Década 2011-2020. Os principais entraves e dificuldades para a regulamentação seriam o tamanho e a distribuição geográfica da frota nacional de veículos, os investimentos necessários para implantar os centros de inspeção técnica e os impactos do sistema junto a sociedade.

Já Penteado encara como principal entrave a inexistência de uma política nacional consistente com o objetivo de reduzir os acidentes de trânsito. “Se houvesse algum plano, certamente a Inspeção Técnica Veicular estaria incluída”, afirma. Ele atribui a causa do atraso à falta de vontade política na priorização do assunto, por absoluto desconhecimento dos benefícios para a sociedade. De acordo com o engenheiro, a inexistência de prioridades nos órgãos de trânsito que tratam de assuntos pontuais e a deficiência nos quadros técnicos agravam o problema.

Para Penteado, quando a inspeção veicular for regulamentada, será imprescindível a participação da iniciativa privada no setor, através de processo de licitação nacional ou regional, porque o serviço exigirá altos investimentos em infra-estrutura e contratação de pessoal especializado (técnicos e engenheiros). “Seria impossível para o Estado implementá-lo de forma satisfatória em todo território nacional, considerando as restrições de responsabilidade fiscal”, afirma.

Penteado acredita que a ITV, quando regulamentada, terá tratamento diferenciado para cada tipo de veículo, de acordo com o maior potencial de causar vítimas e danos, como no caso de ônibus, vans e veículos escolares ou caminhões transportando produtos inflamáveis ou explosivos. “Também será definido a partir de qual idade será exigida a inspeção, porque obviamente veículos zero não necessitam de verificação pois tem garantias de fábrica e assim por diante”, diz.

Há mais de 20 anos a empresa de Penteado, a Transtech Ivesur Brasil, realiza inspeção em veículos que transportam produtos perigosos, veículos modificados, veículos que transitam pelo Mercosul e ônibus rodoviários. “Mesmo esta parcela muito pequena dos veículos em circulação já nos dá uma amostra do estado precário de manutenção da frota brasileira”, conta.

Penteado colaborou com estudo recente do Instituto de Pesquisa em Transporte da Universidade de Michigan, intitulado Survey of the Status of Truck Safety: Brazil, China, Australia and the United States, que mostra o cenário atual do estado de manutenção dos veículos de carga.

”A única perspectiva que podemos enxergar no momento é a pressão internacional para o Brasil começar a inspecionar sua frota, principalmente pela questão ambiental, em função da emissão de poluentes, especialmente nos grandes centros. Na questão de segurança não existe nenhum movimento organizado mais forte”, lamenta.

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