Pais de vítima pedem prisão para quem bebe e mata ao volante
Casal mineiro coleta assinaturas para encaminhar ao Congresso Nacional um Projeto de Iniciativa Popular que visa transformar em dolosos e inafiançáveis os crimes no trânsito cometidos por pessoas sob efeito de bebidas alcoólicas ou que participavam de rachas.
Marina Lemle
A vida de Maria de Lourdes Barreto da Silva e Adil Barbosa da Silva mudou para sempre em 31 de agosto de 2008, quando sua filha Rachel, bibliotecária, morreu abruptamente, aos 24 anos. Um motorista bêbado atingiu sua moto na BR-458, na altura de Ipatinga, MG, cidade onde morava com a família. Ela sofreu traumatismo craniano.
O vazio que Rachel deixou jamais se preencherá, mas é possível evitar que ele aconteça na vida de outros pais, reduzindo a violência no trânsito. Movidos por essa causa, o casal fundou o Instituto Raquel Barreto em Defesa da Vida, que luta por mudanças na Lei Seca do Código Nacional de Trânsito. Segundo eles, há brechas e falhas na lei que facilitam a impunidade.
Maria de Lourdes e Adil integram o Movimento Nacional de Educação e Humanização do Trânsito e em Defesa da Vida (MovetVida), que pretende levar ao Congresso um projeto de iniciativa popular pedindo que a Lei considere crimes no trânsito cometidos por pessoas sob efeito de bebidas alcoólicas como dolosos (intencionais), e que sejam inafiançáveis. Também entrariam nessa categoria os motoristas que causam acidentes participando de rachas.
“Só alterações no Código podem mudar esse quadro de impunidade”, argumenta. O projeto sugere ainda que a matéria passe a constar na grade curricular do ensino fundamental, do 1o ao 9o ano.
O MovetVida se mobiliza para coletar 1.280.098 assinaturas, que correspondem a 1% do eleitorado brasileiro – o necessário para se apresentar um projeto de lei de iniciativa popular. É preciso ainda que essas assinaturas venham de cinco estados diferentes, somando, no mínimo, 0,3% do eleitorado de cada. Além das assinaturas, deve constar o número do título de eleitor, da zona eleitoral e da seção.
“São as exigências do Congresso para dificultar, mas já temos mais de 200 mil. Quando se torna uma conquista popular é infalível”, anima-se Maria de Lourdes. Ela explica que no site do MovetVida é possível baixar a lista, para que seja assinada e enviada pelo corrêio.
De acordo com Maria de Lourdes, um dos problemas da lei é que, apesar de ser proibido dirigir embriagado, o teste do bafômetro não é obrigatório, porque uma pessoa não é obrigada a constituir provas contra si mesma. “Enquanto isso, aumenta a mortalidade, principalmente entre os jovens. Tantas mortes à toa...”, lamenta. Ela conta que resolveu entrar nessa luta não pela filha, mas pelos que estão vivos.
Vestida com um jaleco branco com os nomes de vítimas de acidentes da sua cidade, Ipatinga, escritos a mão, Maria de Lourdes comoveu o público do evento de instalação da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro da atual legislatura (2011-2014), realizado em Brasília, em 6 de abril. A Frente visa contribuir com o movimento global liderado pela ONU “Década de Ações pela Segurança no Trânsito“, que se estenderá até 2020 com o objetivo de reduzir pela metade a mortalidade no trânsito no mundo.
Presente ao evento, o sociólogo Eduardo Biavati, presidente da Em Trânsito Consultoria, descreveu em seu blog o impacto da manifestação de Maria de Lourdes:
“Foi uma das expressões mais poderosas e autênticas que eu presenciei em muitos anos. Era Maria de Lourdes e muitos mais: ela falava em coro, como no antigo teatro grego, e afundou todos em suas cadeiras; houvesse buracos no carpete verde, restaria enterrar as cabeças até o pescoço.” . Clique aqui para assistir o vídeo
Biavati conta que é comum os pais de vítimas desejarem mais punição, porque um acidente causado por um motorista alcoolizado não é visto como tendo sido “sem querer”. “O Judiciário tem que entender que as pessoas não toleram mais esse tipo de conduta. A Lei vai para um lado e a sociedade para outro”, diz. Segundo ele, quando um juiz determina o pagamento de cestas básicas, isso é considerado ultrajante pela família da vítima.
Biavati acha que o mais importante na batalha de Maria de Lourdes é a força das assinaturas, que ela coleta com pouquíssimos recursos. Ele concorda que a Lei deva ser revista, mas acredita que a punição mais rigorosa seja uma arma a mais num conjunto de medidas necessárias para se reduzir a violência no trânsito. “A fiscalização e a educação são mais eficazes. Um exemplo é o sucesso da Lei Seca no Rio de Janeiro. O que importa é a sensação generalizada de presença do poder público”, afirma.
Na sua luta diária em busca de assinatura, Maria de Lourdes sai às ruas e viaja para eventos. O próximo será o 7º Congresso Brasileiro de Trânsito e Vida / 3º Congresso Internacional de Trânsito e Vida, de 5 a 7 de outubro de 2011, em Natal/RN.
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