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Fones de ouvido e viva-voz não reduzem o risco do celular no trânsito

Carga emocional da conversa sobrecarrega o sistema cognitivo e aumenta o tempo de reação

Marina Lemle

A Lei brasileira não proíbe, mas a ciência não recomenda. Falar pelo viva-voz do celular ao dirigir também representa perigo, assim como falar segurando o aparelho ou utilizando fones de ouvido. De acordo com o psicólogo José Aparecido da Silva, professor titular do Laboratório de Psicofísica e Percepção da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, pesquisas feitas em diversos lugares do mundo mostram que o uso do celular ao volante, com ou sem fones ou viva-voz, aumenta de 4 a 9 vezes o risco de envolvimento em acidentes.

Segundo o professor, dirigir demanda toda a atenção do motorista, que além de receber informação visual constantemente, também depende do sistema auditivo, do sistema vestibular (sensação de equilíbrio) e do sinestésico (percepção). Portanto, qualquer fator que interfira nestes sistemas – como buzinas, barulho, celular, conversação interna, televisão, uso do GPS e qualquer outro que exija movimentos oculares - pode colocar a segurança em risco.

Ele explica que os riscos do uso do celular ao dirigir são comprovados tanto por estudos de análise epidemiológica quanto por pesquisas experimentais, feitas com simulações em laboratório ou no ambiente real. “São estudos de dupla tarefa: enquanto a pessoa recebe a ligação, avalia-se o tempo de reação a estímulos do trânsito, como a rapidez com que breca diante de um sinal fechado”, esclarece. Observa-se nos estudos redução no controle lateral e longitudinal do veículo, no tempo de reação a eventos críticos e na atenção às informações nas rodovias.

Silva apresenta as duas questões que se colocam nas pesquisas:

1. Usar o celular distrai mais o motorista do que conversar com um passageiro ou ouvir música?;

2. Há diferença entre segurar o aparelho na mão e conversar por viva-voz ou com fones de ouvido?

Segundo o psicólogo, os resultados mostram que sim, é mais perigoso atender o telefone do que falar com alguém ao lado, por causa da carga emocional da conversa. “A pessoa que liga não sabe se o tráfego está intenso, enquanto alguém no carro calibra o ritmo da conversa de acordo com o que vê ao seu redor, junto com o motorista”, afirma. O professor acrescenta que os estudos em ambiente natural medem vários fatores, inclusive os movimentos oculares, e concluem que o tempo de reação do motorista falando no telefone é retardado: ele não vê pessoas atravessando ou carros ultrapassando.

Silva ressalta que qualquer forma de uso de telefone celular envolve uma demanda cognitiva substancialmente diferente de conversar com o passageiro ou de ouvir música. E, ao contrário do que muitos pensam, o perigo não se restringe ao manuseio do aparelho, mas sim à carga mental envolvida na conversa. Assim, o uso do viva-voz ou de fones não garante a segurança.

“As pessoas acham que dirigir é só uma questão do movimento de direção, mas é carga cognitiva. Falar ao celular, mesmo sem segurá-lo, sobrecarrega a carga mental, interferindo na resposta sensorial, na tomada de decisão e no processamento da informação”, explica. Ele acrescenta que devem ser levados em conta os componentes emocionais da conversa, como raiva, agressividade e medo. “Quando enfurecidos, motoristas dirigem com velocidade excessiva, distraem-se facilmente e são mais predispostos aos riscos de acidentes de trânsito. Simulações mostram que motoristas raivosos têm reduzida a recuperação da direção e retardadas suas reações aos vários perigos no trânsito”, afirma.

Pesquisas, leis e campanhas

É difícil saber quantos acidentes envolvem o uso de celular, porque poucos motoristas assumem a infração após o evento, mas o psicólogo explica que estudos epidemiológicos feitos com base nas informações de contas telefônicas de motoristas que se acidentaram mostram uma frequência de 4 a 9 vezes maior do uso do celular nos três minutos que se antecederam ao acidente. “Quanto mais distante a ligação, menos relação com o acidente”, esclarece.

Na opinião de José Aparecido da Silva, o Brasil, país com 200 milhões de habitantes e 300 milhões de celulares, deveria banir categoricamente o celular na direção. Hoje, o motorista flagrado usando o celular pode ser enquadrado no Artigo 252 do Código Brasileiro de Trânsito, que proíbe dirigir veículos automotores com apenas uma das mãos e utilizar telefone celular, mesmo com fones de ouvidos. A infração é considerada média, o condutor perderá 4 pontos na carteira e a multa é de R$ 85,13.O viva-voz, porém, não é mencionado, deixando uma brecha na lei.

“Cabe ao Conselho Nacional de Trânsito baixar uma resolução excluindo todas as formas de uso de celular no trânsito”, defende Silva, acrescentando que países como Alemanha, Inglaterra, França e, mais recentemente, Argentina, estabeleceram leis específicas para eliminar o uso do celular ao volante.“Se a pessoa vai digirir, o aparelho deve ser desligado, porque o seu uso é mortal - é uma arma contra si mesmo”, diz o psicólogo, que também condena outras tecnologias que causam distração, como TVs instaladas no painel do carro.

Em junho deste ano, a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) lançou uma campanha para alertar a sociedade sobre o perigo do uso do celular ao volante.

De acordo com o diretor de Comunicação e do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da entidade, Dirceu Rodrigues Alves Júnior, o toque do celular produz no seu proprietário um fenômeno surpresa e a busca imediata ao equipamento, acompanhados de intensa ansiedade.

“A mão é retirada do volante em busca do telefone, quando só deveria desligar-se dele para mudança de marcha ou para acessar acessórios no painel, conforme determina a legislação. Desde o toque inicial do aparelho o indivíduo desconecta-se da direção, leva 4 a 5 segundos para fazer o contato e se estiver a 100 Km/h terá percorrido 120 metros sem atenção para os 360° que lhe cercam, ficando restrito a visão dianteira”, explica.

Alves Junior acrescenta que mesmo após a interrupção da ligação mantém-se por algum período a desatenção com a direção, em decorrência do retrospecto e do raciocínio feito pelo motorista dentro do tema abordado pelo interlocutor. Por isso, muitos acidentes ocorrem imediatamente após o motorista ter desligado o celular.

O envio de mensagens de texto ao volante é ainda mais perigoso, porque a tarefa exige o uso das duas mãos – uma para segurar o aparelho e a outra para digitar – e da visão do condutor. A campanha da Abramet inclui um vídeo que mostra acidentes violentíssimos enquanto uma voz infantil canta o abecedário.

No ano de 2007, dirigir usando fones foi a quarta maior infração de trânsito registrada no estado do Pará. O Departamento de Trânsito do Estado (Detran/PA) realizou uma pesquisa em 2008 para traçar o perfil dos condutores de veículos a respeito do uso do celular enquanto dirigem, nos municípios de Belém, Castanhal, Marabá, Redenção, Santarém e Tucumã.

Em Belém, observou-se que 93,9% dos condutores entrevistados levam o celular consigo no carro e mais da metade (64,8%) o leva próximo e ligado. Destes, 47,7% receberam ou emitiram de 1 a 5 chamadas durante as últimas 24 horas. Nas outras cidades, chama atenção também o uso do celular por condutores de motocicletas.

Um estudo publicado em 1997 na Revista New England Journal of Medicine concluiu que a distração causada pelo uso do telefone celular quadruplica o risco de ocorrer uma colisão, taxa equivalente ao prejuízo causado pelo consumo de bebidas alcoólicas.

Em 2011, o National Highway Traffic Safety Administration dos EUA publicou um estudo que afirma que a população americana subestima o perigo de falar e teclar pelo celular ao dirigir. A maioria não acredita que a sua capacidade de dirigir seja afetada pelo uso de aparelhos eletrônicos, mas admite se sentir insegura quando está de carona com alguém que o faz e é a favor de uma legislação restritiva e da cobrança de multas para quem violar estas leis.

Aplicativos para celular para evitar acidentes

Para contribuir com o Pacto Nacional pela Redução de Acidentes no Trânsito, o Ministério das Cidades e o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), em parceria, lançaram aplicativos para evitar que os motoristas usem ocelulardirigindo.

O aplicativo “Mãos no Volante” não deixa o celular tocar quando o motorista estiver dirigindo. Quem ligar ou enviar mensagem de texto receberá a mensagem: “Estou dirigindo no momento. Ligo mais tarde”. Esta resposta automática pode ser personalizada pelo usuário, que também poderá checar as ligações recebidas no final do percurso. O aplicativo, disponível até agora apenas para o sistema Android, pode ser baixado gratuitamente em www.paradapelavida.com.br/maos-no-volante.

Outro produto é o software “Onde tem táxi aqui?”, ideal para quem bebeu e não pode dirigir. O programa busca pontos ou empresas de táxi próximas ao local onde a pessoa está e fornece o número do telefone. A ferramenta roda nos sistemas iPhone e Android.

Mais informações:

Celular ao volante: Viva-voz pode? – Reportagem sobre a pesquisa Cell-Phone–Induced Driver Distraction, feita por David L. Strayer e Frank A. Drews, da University of Utah.

Mobile phones and driving safety – Coletânea de estudos sobre celular ao volante.

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