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Ensinar valores para mudar os comportamentos no trânsito

A opinião da educadora de trânsito Irene Rios, a legislação em vigor, referências

Marina Lemle

Irene Rios

Autora do Guia Didático de Educação para o Trânsito e mestre em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí com a pesquisa “Campanhas educativas para o trânsito: a percepção sensível de jovens e adultos”, Irene acredita que a virtude dos valores positivos possa ser ensinada.

Nesta entrevista à Associação Por Vias Seguras, ela defende que o tema trânsito seja trabalhado nas escolas de maneira transversal e sugere formas de fazê-lo. Ela fornece também um vasto panorama dos textos legislativos em vigor e dos principais documentos de referência.

Você propõe uma educação para o trânsito baseada em valores. Que valores são estes?

Entre os valores necessários para a segurança no trânsito cito a responsabilidade -o condutor, o ciclista e o pedestre responsável são prudentes e conscientes de seus atos. Eles pensam nas consequências de suas atitudes e evitam cometer infrações.

Outro valor imprescindível para a fluidez e a segurança viária é o respeito ao outro. O trânsito é um espaço democrático, em que não há distinção de classe social, raça, idade, cultura. Todos têm os mesmos direitos e deveres, e todos também correm os mesmos riscos. Sendo assim, é importante que nas vias haja respeito entre os que compartilham este espaço.

O trânsito oferece desafios diários que precisamos suportar, como motoristas que fecham o veículo de trás, ou que param repentinamente, pedestres que atravessam fora da faixa de segurança, motoristas que não param na faixa de pedestre, obras na pista, desvio de trajeto, congestionamentos e outros. Por isso o domínio de si mesmo (autocontrole) e a paciência são imprescindíveis para manter o controle e a segurança.

Podemos citar ainda outros valores importantes para a melhoria o trânsito, como cooperação, solidariedade, honestidade e valorização da vida.A prática de valores positivos é uma virtude necessária para a promoção da fluidez e da segurança viária, uma virtude que pode ser aprendida por meio da educação.

Onde e como são adquiridos tais valores?

Eles são adquiridos desde a infância, inicialmente na família, por meio de orientações e principalmente pelo exemplo dos pais. A escola dará continuidade à construção de valores nos estudantes. Porém eles recebem influência também de outras fontes, como a mídia e os amigos.

A colaboração dos educadores à educação para o trânsito é imprescindível. Eles estão boa parte do tempo com as crianças e com os jovens e podem realizar um trabalho com continuidade. O trânsito pode ser trabalhado nas escolas, de maneira transversal, sem prejuízo do conteúdo curricular. O professor pode abordar o tema juntamente com os conteúdos das disciplinas. O professor de Língua Portuguesa, por exemplo, ao selecionar textos e atividades para sua aula, pode escolher aqueles relacionados à segurança viária e à prática de valores positivos. Na produção escrita, pode incentivar o aluno a produzir textos que contenham sua percepção sobre o trânsito de sua cidade.

Em Matemática, o professor pode educar para o trânsito quando for trabalhar com levantamento, análise e julgamento de estatísticas. Por exemplo, verificando a quantidade de veículos que transitam em sua rua ou a quantidade de alunos que usam a bicicleta como meio de locomoção. É possível também inserir situações vivenciadas no trânsito na elaboração de problemas matemáticos.

Pode-se trabalhar o trânsito ora em Língua Portuguesa, ora em Matemática ou em Geografia. Cabe ao educador verificar o melhor momento de introduzir a educação viária no conteúdo curricular.

O que se deve ensinar na escola e de que maneira? O que funciona e o que não funciona?

É recomendável que, antes da escolha dos conteúdos a serem ensinados aos estudantes, seja realizada uma investigação a fim de verificar a percepção que eles apresentam sobre os riscos no trânsito. Como regra geral, é importante instruir os estudantes a respeitar as leis de trânsito e a possuir atitudes que priorizem a segurança no trânsito. É essencial também construir junto aos estudantes valores positivos, como respeito ao próximo, autonomia, preservação da vida, entre outros, para que no futuro venham a ser condutores conscientes de seus direitos e deveres. A aprendizagem acontece a partir de uma motivação que desperte o interesse para um determinado tema. Sendo assim, a motivação deve ser trabalhada de acordo com a idade do público-alvo. Para obtermos sucesso nas ações educativas para o trânsito é necessário estarmos atentos aos tipos de conteúdos e abordagens que iremos direcionar a uma determinada faixa etária.O ideal é realizar uma pesquisa com os estudantes da região onde serão aplicadas as atividades educativas, a fim de verificar suas características e interesses e planejar as atividades conforme o resultado da pesquisa.

Como está a educação no trânsito no Brasil e como avançar?

Existem no Brasil importantes ações educativas para o trânsito sendo implementadas. Temos ótimos educadores de trânsito que, apesar de algumas dificuldades, persistem e conseguem realizar belos trabalhos.

As ações educativas para o trânsito, no entanto, acontecem muito menos do que é necessário. Há muita preocupação com quantidade, com a divulgação dos números de habitantes ou de alunos atingidos nas campanhas e programas educativos de trânsito. Será que essas pessoas “atingidas” estão educadas para o trânsito? Apenas quantidade não traz os resultados necessários. Precisamos de qualidade.

É comum observar em muitas cidades que a educação para o trânsito tende a ser priorizada no mês de setembro de cada ano devido a Semana Nacional de Trânsito.

O Denatran e alguns órgãos de trânsito têm veiculado na televisão e na internet, nos últimos anos, campanhas educativas no estilo audiovisual. Apesar das campanhas serem muito bem elaboradas, parece que não surtem o efeito desejado. Talvez o motivo da falta dos resultados almejados pelas campanhas de educação para o trânsito, como a prática de atitudes seguras nas vias e a diminuição da violência viária, não esteja relacionada aos conteúdos e aos estilos das campanhas, mas sim aos métodos de difusão das campanhas. Defendo, então, que as campanhas de educação para o trânsito sejam mais bem aproveitadas.

Sugiro que, além da veiculação nos meios de comunicação, estas campanhas venham acompanhadas de projeto educativo para ser aplicado em palestras e em outras atividades nas escolas e nas universidades, de maneira transversal. As campanhas podem estar inseridas dentro de um contexto educativo, onde os receptores sejam provocados a refletir e a interagir sobre as mensagens deixadas por elas.

A Educação no Trânsito é tratada na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e suas resoluções. Como você avalia essa presença nos documentos oficiais?

Podemos perceber, na legislação brasileira, referências à educação para o trânsito, direta ou indiretamente. Temos uma legislação pátria que prevê a educação para o trânsito em vários segmentos da sociedade. É preciso, portanto, fazer valer o exercício e a fiscalização dessas leis.

Por exemplo:

O art. 23 da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) versa sobre as competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No inciso XII deste artigo, consta como competências das referidas esferas de governos: “estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito”. Sendo assim, promover a educação para o trânsito é uma lei, e está na Constituição da República Federativa do Brasil.

Nos arts. 15, 16, 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) está destacado que a criança e o adolescente têm direito à vida, ao respeito, à dignidade, à saúde, a ir e vir e estar com segurança em locais públicos.

O Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) prevê os direitos da pessoa idosa, como transporte público, saúde e proteção à vida.

A respeito dos conteúdos curriculares da educação básica, o art. 27, inciso I, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), esclarece que devem ser observados “a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática”.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997) constam temas transversais que devem ser contextualizados, pelos professores, com os conteúdos curriculares. Os temas transversais são: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e Orientação Sexual. Os PCNs estabelecem também a eleição de um tema transversal local e sugerem o trânsito para esse tema.

No Código de Trânsito Brasileiro (BRASIL, 1997), foi dispensado o Capítulo VI (com seis artigos), exclusivos, ao tema Educação para o Trânsito. Neste capítulo destacam-se a criação da coordenação educacional, as campanhas educativas, a educação para o trânsito nas escolas, as campanhas sobre primeiros socorros, as mensagens e programas educativos.

Há ainda diversas resoluções que tratam do tema educação para o trânsito, como:

Res. n° 207/2006: Estabelece critérios de padronização para funcionamento das Escolas Públicas de Trânsito.

Res. n° 265/2007: “Dispõe sobre a formação teórico-técnica do processo de habilitação de condutores de veículos automotores elétricos como atividade extracurricular no ensino médio e define os procedimentos para implementação nas escolas interessadas”.

Res. nº 314/2009: “Estabelece procedimentos para a execução das campanhas educativas de trânsito a serem promovidas pelos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito”.

Cito ainda a Portaria n° 147/2009,queAprova as Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito na Pré-Escola e no Ensino Fundamental.

Referências

BRASIL. Departamento Nacional de Trânsito. Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/ctb.htm

______. Departamento Nacional de Trânsito. Resoluções do Contran. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm

_______. Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito na Pré-Escola. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Portarias/2009/PORTARIA_DENATRAN_147_09_ANEXO_I_DIRETRIZES_PRE_ESCOLA.pdf

_______. Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito no Ensino Fundamental. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Portarias/2009/PORTARIA_DENATRAN_147_09_ANEXO_II_DIRETRIZES_EF.pdf

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/CON1988.shtm

________. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm

________. Estatuto do idoso. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.741.htm

________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.

SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem. 3. ed. Trad. Roberto Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1995.

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