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A educação para o trânsito é meu compromisso existencial

Encontro com Márcia Pontes

Marina Lemle

Marcia Pontes Foto 2

Durante 42 anos, Márcia Pontes foi carona, mas um dia superou o medo e aprendeu a dirigir. Mais do que isso, conta, tornou-se uma pessoa melhor. Largou a segurança de um emprego público para dedicar-se integralmente à formação de condutores éticos, cidadãos, responsáveis e mais humanos. Escreve livros, colunas em portais, mantém um blog, dá palestras, comanda as mídias sociais do Grupo Voluntário Aprendendo a Dirigir, que fundou em 2008, e está sempre estudando.

A educação para o trânsito tornou-se a bandeira de luta da minha vida, o meu compromisso existencial, porque aquilo que temos de mais sagrado está sendo profanado no trânsito: a vida”, diz.

A principal luta de Márcia é pela revisão e atualização dos métodos de ensino da direção veicular no Brasil, substituindo o adestramento e a memorização pela construção de conceitos e de significados sobre o ato de dirigir para evitar acidentes. Mas a sua militância vai muito além: ela enxerga o trânsito como um sistema em que tudo e todos são interdependentes, e no qual a segurança resulta de um conjunto de ações sistêmicas, integradas e coordenadas.

Nos seus artigos, você trata a questão da violência no trânsito numa perspectiva pessoal, dando nome a quem virou número. Você acredita que a educação de trânsito é mais eficaz quando as pessoas conseguem se enxergar como parte do problema e, consequentemente, parte da solução?

Com certeza. Hoje estamos vivendo a beira daquilo que as autoridades brasileiras que fazem a educação para o trânsito no nosso país mais temem: a anodinia, esse sentimento de anestesiamento, de resistência e indiferença a dor dos mortos, feridos, mutilados em acidentes e suas famílias. Enquanto as pessoas atropelarem e jogarem braços arrancados violentamente num acidente em valas fétidas, enquanto as pessoas perseguirem quem lhes “fechou” no trânsito e matarem, enquanto as pessoas forem só números, estatísticas, estaremos muito longe da humanização de que o ser humano e o trânsito tanto precisam.

Para a maioria, é só mais um José, um João, uma Maria que morreu, que ficou ferido, mutilado e inválido num acidente. Até que essa vítima passa a ser um amigo, um parente, uma pessoa da família. Mais de 90% dos acidentes de trânsito são provocados por causas humanas e, portanto, podem ser evitados. Isso significa que o problema e a solução está nas mãos e no comportamento de cada um. Educação no trânsito se faz com humanização e humanizar é reconhecer que somos humanos e que a nossa missão, também no trânsito, é cuidar uns dos outros. A minha vida tem o mesmo valor que a vida do outro.

Você começou a dirigir depois dos 40. Por quê? Fale de sua trajetória.

Depois de 42 anos no banco do carona consegui, por conta própria, enfrentar e superar o medo de dirigir e me tornei uma pessoa melhor, uma pedestre cidadã e uma motorista defensiva. Descobri a paixão e o prazer de dirigir com cuidado, defensivamente, com o mais alto respeito à vida, me tornei uma pesquisadora em assuntos de trânsito e comecei a cursar a graduação em Segurança no Trânsito na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) para buscar unidade entre a teoria e a prática e profissionalizar minha atuação.

Na década de 1990 comecei a cursar a faculdade de Pedagogia, mas por dificuldades financeiras tive de abandonar o curso no terceiro semestre. De lá para cá não parei mais de estudar a construção da aprendizagem e os métodos significativos, o que me deu uma base forte para as pesquisas científicas que introduziram no Brasil o método decomposto de ensino e aprendizagem da direção veicular. Hoje tenho 47 anos, sou educadora de trânsito em Blumenau como parte de um trabalho voluntário e colunista de assuntos de trânsito do Portal de Notícias Blumenews e do Portal do Trânsito. Fui repórter e editora no Grupo RBS, o que contribuiu bastante para minha atuação como colunista de trânsito.

Me tornei palestrante nacional em assuntos de segurança no trânsito e formação de instrutores e de condutores, divulgando a aprendizagem significativa da direção veicular no Brasil. Realizo paradas pedagógicas com Detrans, Centro de Formação de Condutores (CFC) e seus profissionais para repensar a formação voltada para a aprendizagem significativa, segura e cidadã de novos motoristas.

Em 2008 fundei o Grupo Voluntário Aprendendo a Dirigir e escrevo o Blog Aprendendo a Dirigir, um trabalho pioneiro no Brasil em Educação Para o Trânsito Online (EPTon), para resgate de condutores mal formados nos CFC e de habilitados que não dirigem por medo e outras dificuldades. Além das dicas práticas, os membros do Grupo Voluntário Aprendendo a Dirigir nas redes sociais (Facebook) são formados para a segurança, ética e cidadania no trânsito. Aqueles que superam as dificuldades são promovidos a moderadores e tornam-se multiplicadores da segurança no trânsito.

Sou pesquisadora do medo de dirigir e dos métodos de ensino da aprendizagem veicular pelo método decomposto, desenvolvido na Suíça e difundido em autoescolas italianas, fundamentado na aprendizagem significativa da direção veicular e no acolhimento emocional para vencer o medo de dirigir. Depois de seis meses de intercâmbio, introduzi no Brasil o método de ensino e de aprendizagem da direção veicular por meio do livro Aprendendo a Dirigir: um guia prático de exercícios para quem tem medo de dirigir e palestras de formação de instrutores. O foco é na aprendizagem significativa, construção de conceitos e apreensão de significados sobre o ato de dirigir, e acolhimento emocional ao candidato e condutores com medo de dirigir e outras dificuldades.

A principal luta da minha vida é contribuir para rever e atualizar os métodos de ensino da direção veicular no Brasil substituindo o adestramento do aluno e a memorização pela construção de conceitos e de significados sobre o ato de dirigir para evitar acidentes.

No ano de 2012 publiquei o livro digital Aprendendo a Dirigir: aprendizagem pelo método decomposto para evitar traumas e acidentes durante a (re)aprendizagem da direção veicular. Em 2013 publiquei os livros Aprendendo a Dirigir: um guia prático de exercícios para quem tem medo de dirigir e Acolhimento Emocional para Vencer o Medo de Dirigir.

Por que a temática da educação no trânsito tornou-se tão importante na sua vida?

A educação para o trânsito tornou-se a bandeira de luta da minha vida, o meu compromisso existencial, porque aquilo que temos de mais sagrado está sendo profanado no trânsito: a vida. Porque a cada ano mais de 7 mil crianças com menos de sete anos ficam mutiladas em acidentes de trânsito. Porque milhares de novos motoristas estão sendo mal formados, pensam que dirigir é só colocar o carro em movimento e acabam se envolvendo em acidentes por imperícia. As estatísticas mostram que condutores com menos de cinco anos de habilitação são os que mais morrem em acidentes de trânsito no Brasil. Porque qualquer um de nós pode morrer no trânsito por imperícia, negligência, imprudência e falta de humanização.

Sou apaixonada por trânsito, respiro, pesquiso cientificamente e vivo o trânsito com compromisso existencial. Tenho muito a agradecer ao medo de dirigir, pois ao superá-lo me superei como pessoa, como condutora e como profissional. Sou uma pessoa que sabe que vai morrer no trânsito. Espero que não num acidente, mas dedicando a minha vida à humanização, à segurança no trânsito, à formação significativa de condutores éticos, cidadãos, responsáveis e mais humanos.

Mais informações

Entrevista de Márcia Pontes: A redução dos acidentes depende do total envolvimento da sociedade e dos entes do Sistema Nacional de trânsito

Blog “Aprendendo a dirigir”, mantido por Márcia Pontes

palavras-chave: método, escola, educação, trânsito, política