Desde 2010, os motociclistas já formam a maior parcela das vítimas da violência no trânsito, um peso para a economia e o futuro do Brasil.
Artigo publicado pelo Senado na revista « Em discussão », em número especial, com título « Explosão de motos e mortes » de Novembro 2012 (Página 6) .
O desempenho da economia brasileira, a partir da década passada, permitiu o acesso da população a bens e serviços que antes não podia alcançar. A renda média subiu, a desigualdade diminuiu e, como resultado, cresceu o consumo, por exemplo, de eletrodomésticos, veículos, planos de saúde e passagens aéreas.
Essa é a parte boa da história. A outra é que o acesso de grandes contingentes ao mercado consumidor revelou que, em muitos setores, não houve preparação para receber a nova demanda. Tumultos nos aeroportos falta de vagas em hospitais privados e engarrafamentos de trânsito que batem sucessivos recordes nas maiores cidades são demonstrações cotidianas desse descompasso entre consumo e infraestrutura.
Porém, há um problema ainda mais grave registrado nas últimas décadas que, além de trazer transtornos, está matando milhares de brasileiros, principal mente jovens: acidentes de trânsito envolvendo motocicletas, número que aumenta ano a ano. Projeções apontam que 15,1 mil motociclistas devem morrer no Brasil em 2012. Hoje, ninguém morre mais no trânsito que os motociclistas e seus caronas (veja infográfico abaixo).
O crescimento do número de mortes, principalmente de homens (três quartos dos mortos são do sexo masculino) entre 20 e 39 anos de idade (62% dos mortos estão nessa faixa etária), no auge de sua força produtiva, é muito superior ao de motocicletas na frota nacional de veículos, que não é pequeno.
O aumento nas vendas de motos atingiu em torno de 20% ao ano no início do milênio, e continuou em ritmo muito superior ao da média da economia nacional. Assim, entre 1998 e 2010, a frota de motocicletas cresceu 491,1%. E as mortes de motociclistas, 610% (leia mais sobre o risco de conduzir uma moto nas ruas brasileiras na pág. 10).
“Em outras palavras: 491% do incremento da mortalidade devem-se ao aumento drástico da frota de motocicletas. Mas o restante (119%) só pode ser interpretado como um aumento do risco motocicleta no trânsito”, afirma o Mapa da Violência 2012, pesquisa conduzida pelo Instituto Sangari.
Mas esse não é o único dado triste. Além da alta letalidade, os acidentes de moto geralmente levam a ferimentos muito mais graves do que aqueles envolvendo outros veículos motorizados. Para cada morto, os acidentes deixam entre 20 e 25 feridos, mais de 200 mil pessoas por ano, estimativa feita a partir de dados do Sistema Único de Saúde (SUS).
E as lesões de acidentes com motos são geralmente graves. Em cerca de 30% dos casos (segundo o Centro para Controle de Doenças dos Estados Unidos), as vítimas ficam com sequelas para toda a vida. Como consequência, o custo dos acidentes para o SUS é milionário, com reflexos nas contas da Previdência Social, que tem que pagar pelos dias de afastamento do trabalhador e, também, aposentadorias por invalidez.
Estimativa feita a partir de dados da ONU aponta que o custo anual dos acidentes de trânsito pode chegar a US$ 13,9 bilhões, além das perdas irreparáveis para as famílias das vítimas (leia mais sobre os impactos dos acidentes no sistema de saúde e na Previdência a partir da pág. 23).
“Acidente de moto está sendo considerado uma epidemia, um assunto de saúde pública”, afirma a senadora Ana Amélia (PP-RS).
Em todas as explicações, fica evidente que o país não se preparou para receber tantos motociclistas, ainda que tenha dado, há pelo menos 15 anos, inúmeros sinais de que isso seria necessário. Os cursos de formação de condutores são considerados ineficientes; os exames de habilitação, insuficientes; as vias e a sinalização públicas, inadequadas; e, fundamentalmente, a fiscalização de trânsito, escassa.
Aliás, mais que novas regras, os especialistas cobram maior fiscalização para que as leis sejam cumpridas, o que poderia coibir a imprudência, a negligência e diversas ilegalidades — como o não uso de equipamentos de segurança, como o capacete, e até a venda de carteiras de motorista e a falta de habilitação para conduzir.
Nos estados do Norte e do Nordeste, a regra é haver mais motos em circulação que motociclistas habilitados. Aliás, esses estados assistiram a uma invasão de motos, especialmente em cidades do interior, onde sequer havia transporte público (leia mais a partir da pág. 28).
Todas essas análises foram apresentadas em debates promovidos este ano pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), com a presença de especialistas do governo, da indústria de motos e de associações que representam os motociclistas, especialmente os profissionais. Tanto em uma audiência pública realizada em maio quanto em um seminário em setembro, senadores e debatedores demonstraram preocupação com o diagnóstico apresentado e interesse em alterar o quadro atual, que, como já se convencionou dizer, mata mais que todas as guerras no mundo nas últimas décadas.
Os participantes dos debates da CAS se preocuparam em analisar — e criticar — as atuais políticas públicas em andamento que, a julgar pelos números crescentes de mortos e acidentados, vêm se mostrando ineficientes, até pela falta de recursos orçamentários, que não chegam a sua destinação (leia mais a partir da pág. 56).
“Primeiro temos que discutir o presente e o futuro da motocicleta. A venda de motocicletas vai continuar a aumentar e, assim, o número de acidentes. Então devemos analisar o que precisamos fazer para que isso não aconteça”, afirmou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
Para ilustrar como o governo poderia dar maior atenção ao problema, Dirceu Rodrigues Alves Junior, diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), citou a dengue, que matou 592 pessoas em 2010. Porém, os acidentes de trânsito que mataram 40.160 pessoas no mesmo ano, afirmou Alves Junior, não recebem a mesma atenção das campanhas oficiais.
“Não vemos o Ministério da Saúde investindo nessa doença [acidentes de trânsito], que está matando, destruindo, produzindo sequelados e incapacitando o homem para o futuro. Estamos perdendo uma grande massa produtiva e, logicamente, a longo prazo, vamos sofrer consequências”, afirmou Alves Junior no Senado.
Da mesma forma, a senadora Ana Amélia sugere que, como a campanha contra a dengue, deveria haver uma ação do Estado que mobilize o país em torno da prevenção de acidentes no trânsito.
“Temos que mostrar ao governo que, assim como há prioridade no combate à dengue, acidentes com moto são uma epidemia que tem que ser vista como problema de saúde, como problema social”, apelou a senadora.
Nesse sentido, diversas propostas — para melhorar a formação de condutores, aumentar o número de habilitados (já que em muitos estados existem mais motos que pessoas com carteira de motociclistas), ampliar as campanhas de educação no trânsito, incluir novos itens de segurança para motocicletas e motociclistas — foram apresentadas tanto pelos especialistas quanto pelos próprios parlamentares, em forma de projetos de lei (leia mais a partir da pág. 58).
Mas, para isso acontecer, é preciso que as políticas públicas comecem a enxergar que um quarto dos veículos em circulação no país são motocicletas e que duas em cada três vítimas do trânsito são pedestres, ciclistas ou motociclistas. Enquanto isso, o que se nota é que a educação para o trânsito e as próprias vias públicas são feitas pensando prioritariamente em veículos de quatro rodas ou mais (leia mais sobre o tema na pág. 45 e na pág 76 ).
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