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A situação dos acidentes de trânsito em Janeiro 2014

Desde 2006, observamos uma situação dos acidentes de trânsito extremamente preocupante. De um lado, números de vítimas muito altos e ainda suscetíveis de crescer, e do outro, o governo federal muito discreto e pouco ativo, como se não tivesse realizado a gravidade do problema ou se preferisse não enfrentá-lo.

Os números de vítimas

Os números de mortos

A estatística oficial de referência em nível nacional, publicada pelo Ministério da Saúde, indica, para 2011, um número de 43.256 mortos em acidentes de trânsito. É o último dado publicado. A tendência geral, de 2001 a 2011 foi um aumento de 1.200 mortos cada ano. As variações nos últimos anos, entre 2009 e 2011 foram muito irregulares e não permitem antecipar qual poderá ter sido a tendência em 2012 e 2013.

Outra estatística, produzida pela Seguradora Lider, indica o número de óbitos decorrentes de acidentes de trânsito, indenizados no âmbito do seguro DPVAT. Tal estatística não pode ser comparada diretamente com a do Ministério da Saúde, por tratar-se de processos de indenização em vez de óbitos, o que implica uma defasagem no tempo entre as duas. Para efeito de comparação, observa-se que, em média, de 2001 a 2011, o número de mortes indenizadas pelo DPVAT foi superior em 35% ao número de óbitos registrados pelo Ministério da Saúde. Aplicando este aumento médio à estatística de 2011, o número de mortos naquele ano seria da ordem de 58.000.

Não tivemos conhecimento de qualquer pesquisa sobre quem podem ser os mortos cuja família foi indenizada mas que não foram registrados pelo Ministério da Saúde. Pessoas resgatadas no local do acidente por familiares ou por vizinhos sem conhecimento da polícia? Pessoas registradas como feridas, porém mortas após ter deixado o hospital? Seria importante sabê-lo. Parece incrível deixar na dúvida a eventualidade de ter de aumentar de 35% a estatística oficial do número de mortos no trânsito.

Os números de feridos graves

As fontes são as mesmas que para os números de mortos, porém com dificuldade ainda maior para comparar os dados fornecidos. O Ministério da Saúde registra as pessoas hospitalizadas: 179.000 em 2012, enquanto a Seguradora Lider registra as pessoas indenizadas por invalidez permanente:352.000em 2012. Este último dado era de150.000em 2010 e cresceu de forma vertiginosa (+ 132% em 2 anos). A Seguradora Lider apresenta uma distribuição das indenizações em função do tipo de veículo envolvido no acidente e mostra que o crescimento do número de indenizações é principalmente devido ao aumento do número de acidentes de motos. Isto é o reflexo de um fenômeno extremamente grave, ligado ao crescimento da frota de motos, que vai provavelmente continuar se agravando nos próximos anos. Existe, então, uma ameaça muito séria de que o número de feridos graves continue aumentar fortemente.

As estatísticas da Seguradora Lider não fornecem indicações sobre os tipos de deficiências, nem sobre relações entre os tipos de deficiências e os tipos de usuários. No entanto, a análise detalhada destes dados permitiria identificar melhor as lesões sofridas pelos motociclistas e adaptar os equipamentos de proteção.

As reações do Governo Federal

Há muitos anos que as posições tomadas pelo governo não parecem ser à altura do desafio. Eis alguns exemplos:

O DENATRAN desistiu, a partir de 2007, de publicar estatísticas de acidentes, em complemento das estatísticas de vítimas, com dados que permitam elaborar medidas de prevenção.

Na mesma época, quando apareceu a divergência entre os dados do Ministério da Saúde e das seguradoras, não teve nenhum esforço de comparação que permita saber quais são os números reais de vítimas.

Pouco depois, em 2008, parou o reajustamento anual das indenizações pelo DPVAT, enquanto uma grande proporção das vítimas, talvez a maioria, depende exclusivamente destas indenizações.

Em 2010, surgiu uma oportunidade excepcional de mudar de rumo: A Década Mundial de Segurança do Trânsito, promovida pela ONU. O Brasil manifestou a intenção de participar, porém, não adotou o plano de trabalho proposto, não tomou qualquer medida forte e não obteve resultado significativo.

Os acidentes de trânsito foram simplesmente considerados como um problema de Saúde, deixando o Ministério da Saúde responsável pela sua solução. Felizmente, este Ministério reagiu de modo espetacular, de duas maneiras: fez um esforço enorme no resgate das vítimas e no seu atendimento pre hospitalar e iniciou um programa de redução dos acidentes, chamado “Vida no Trânsito”, a ser implementado progressivamente em todas as capitais de estado.

Ultimamente, em 2013, o Ministério dos Transportes parou de publicar as estatísticas de acidentes nas rodovias federais, apesar da existência de todos as informações necessárias na base de dados mantida pela Polícia Rodoviária Federal.

O desinteresse pelos dados de acidentes.

As estatísticas do Ministério da Saúde e da Seguradora Lider, mencionadas acima se referem somente às vítimas dos acidentes. Elas permitem avaliar o vulto do problema e conhecer certos aspectos importantes do fenômeno, mas não são suficientes para combater os acidentes. Falta saber onde ocorrem os acidentes, como, e por que.

Por isso é preciso estabelecer estatísticas de acidentes. É previsto no Código de Trânsito Brasileiro (artigo 19, §X e XI) que “Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União: organizar a estatística geral de trânsito no território nacional, definindo os dados a serem fornecidos pelos demais órgãos e promover sua divulgação; e estabelecer modelo padrão de coleta de informações sobre as ocorrências de acidentes de trânsito e as estatísticas do trânsito;

O DENATRAN tentou cumprir esta missão até 2006 e parou em 2007, de forma que não existe estatística nacional de acidentes de trânsito. Para obter dados de acidentes é preciso ir buscar nos Estados, entre os quais existe uma grande diversidade. Poucos DETRANs publicam estatísticas atualmente e elas não são padronizadas. Podem ser muito detalhadas e interessantes ou extremamente sumárias, dependendo do Estado.

Em 2013, o DNIT, por sua vez, parou de publicar as estatísticas de acidentes nas rodovias federais. Foi grande surpresa e imensa decepção. Estas estatísticas eram muito bem feitas a partir da excelente base de dados de acidentes do Departamento da Polícia Rodoviária Federal. Decisão estranha, pois parece significar que o DNIT não precisa de estatísticas de acidentes para operar a rede de rodovias federais. Em compensação, a base de dados foi aberta ao público.

O silêncio sobre um grave problema social.

A estatística do Ministério da Saúde permite distribuir as vítimas por categorias de usuários. Aparecem então os seguintes resultados:

Em conjunto, os pedestres, ciclistas e motociclistas representam dois terços dos mortos no trânsito.

88% das vítimas do trânsito hospitalizadas são pedestres, ciclistas e motociclistas.

Trata-se das três categorias de usuários mais vulneráveis, por não serem protegidos por uma carroceria.

De modo imprevisível, as proporções de 2/3 e 88% se verificam anualmente com poucas variações. A proporção de pedestres tende a diminuir e a de motociclistas a crescer, mas o total fica o mesmo.

Estas proporções levam a outras considerações, de ordem social, ligadas ao nível de renda das vítimas de acidentes: a maioria dos mortos e dos feridos são motociclistas, pedestres e ciclistas. Estas categorias de usuários representam principalmente pessoas de baixa renda. Grande proporção destas pessoas não tem outra proteção que o seguro DPVAT, totalmente insuficiente em caso de lesões graves. Cabe lembrar que o valor das indenizações do DPVAT não foi revisado desde 2007.

A Década perdida

Em 2010, a ONU proclamou o período 2011-2020 Década Mundial de Ações de Segurança no Trânsito, com o objetivo de reduzir de 50% a taxa de mortalidade no trânsito. O número de mortos no trânsito no mundo era, então, avaliado em 1,3 milhões por ano.

Esta decisão tinha sido preparada intensivamente durante vários anos, especialmente quanto à organização das ações, resultando em um modelo de Plano Nacional de Redução de Acidentes, muito abrangente e extremamente detalhado.

O Brasil tinha manifestado oficialmente a sua intenção de participar na Década. O DENATRAN lançou uma consulta pública sobre o Plano Nacional de Redução de Acidentes e recebeu propostas detalhadas de adaptação do modelo da ONU à realidade brasileira, porém, não chegou a concluir. De fato, a aplicação do modelo de Plano implicava esforços financeiros importantes e muitas mudanças na abordagem do problema dos acidentes. O governo federal desistiu então de definir um plano nacional de redução de acidentes.

A estrutura federal do país e a municipalização do trânsito fazem com que todos os estados e municípios têm de ser envolvidos no combate aos acidentes. Surgiu a ideia de um Pacto que permitiria conseguir progressivamente o envolvimento das entidades e das pessoas indispensáveis ao sucesso da Década. O Pacto Nacional pela Redução de Acidentes foi lançado pelo Ministério das Cidades em Maio 2011. Infelizmente, em vez de ser um instrumento de coordenação entre o governo federal, os estados e os municípios para o conjunto das ações da década, ele se transformou em uma simples campanha de conscientização do público conduzida pelo DENATRAN.

O início da Década foi um momento de entusiasmo, ocasionou a mobilização espontânea de muitos estados e municípios e chegou a ser a maior referência no país em matéria de combate aos acidentes de trânsito. O país estava preparado a mudar de rumo mas esta oportunidade excepcional não foi aproveitada.

Um diagnóstico errado

O modelo de Plano Nacional de Redução de Acidentes apresentado pela ONU definia cinco linhas de ação:

  1. A gestão da segurança do trânsito
  2. Infraestrutura mais segura e mobilidade
  3. Veículos mais seguros
  4. Usuários mais seguros
  5. Assistência às vítimas

O governo federal descartou as três primeiras e somente considerou as outras duas. A linha 4, referente ao comportamento dos usuários, baseada principalmente em educação, legislação e fiscalização ficou sob a responsabilidade do DENATRAN e a linha 5 sob a responsabilidade do Ministério da Saúde.

Fazendo assim, o governo federal reduziu drasticamente o potencial de redução dos acidentes. Com efeito, as condições da infraestrutura e dos veículos são fatores extremamente importantes na segurança do trânsito.

No que diz respeito à infraestrutura, ele pode ter sido enganado pelos assuntos privilegiados atualmente em matéria de segurança nos países de Europa Ocidental. Lá, fala-se muito pouco da infraestrutura pois ela é, en geral, de boa qualidade e continuamente melhorada, de forma sistemática. Em todos estes países, já existe uma rede excepcional de autoestradas interurbanas. Vias consideradas cinco vezes mais seguras que o resto da rede: inteiramente cercadas, onde nunca se encontram pedestres nem ciclistas; concebidas como "estradas que perdoam", com defensas ou barreiras em todos os canteiros centrais, sem obstáculos fixos não protegidos. A realização destas redes de autoestradas teve um papel determinante na redução dos acidentes naqueles países. Infelizmente, temos, no Brasil, muito poucas rodovias deste nível de segurança e as perspectivas de melhoria em curto prazo não são boas. Vale a pena ler o resumo desta linha de ação no plano proposto pela ONU:

Infraestrutura mais segura e mobilidade: promover um sentimento de responsabilidade e de compromisso em matéria de segurança do trânsito entre os órgãos gestores de vias, os engenheiros rodoviários e os urbanistas / levar em consideração as necessidades dos usuários / promover a segurança na operação, na manutenção e nos melhoramentos da infraestrutura viária / promover o desenvolvimento de novas infraestruturas seguras / incentivar a capacidade de realização e a transferência de conhecimentos em matéria de infraestrutura segura / incentivar pesquisa e desenvolvimento em matéria de vias mais seguras e mobilidade.

Será preciso um esforço muito grande, político, financeiro, técnico e cultural para superar o inevitável desafio do aprimoramento da infraestrutura.

A atuação do Ministério da Saúde.

Atendimento às vítimas, estatísticas, programa de redução de acidentes “Vida no trânsito”, as intervenções do Ministério da Saúde são muito diversas e primordiais.

O afluxo crescente de vítimas obrigou o Ministério a reforçar em permanência os meios do Sistema de Saúde: normatização dos serviços de atendimento pre-hospitalar móvel, rede de atenção às urgências, programa SOS Emergências são exemplos das numerosas medidas tomadas.

Em paralelo, o Ministério lançou em 2011, no âmbito da Década Mundial de Ações de Segurança do Trânsito, um projeto de redução de acidentes, em parceria com a Organização Mundial da Saúde, chamado “Vida no Trânsito”. Este projeto, lançado inicialmente em cinco capitais: Belo Horizonte, Campo Grande, Curitiba, Palmas e Teresina, tem vocação a ser implementado posteriormente em todas as outras capitais. A mesma metodologia é aplicada em todas as cidades, os resultados e as experiências são compartilhadas. Esta experiência extremamente interessante pode ser o início de um programa nacional bem sucedido.

Paul Chambert-Loir

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