Polêmica sobre a Lei do descanso dos caminhoneiros
A falta de locais onde estacionar para repouso pode prejudicar a observância da lei
Marina Lemle
Em 2012, entrou em vigor a Lei 12.619,que regulamenta o exercício da profissão de motorista. Apesar da luta de mais de 40 anos dos profissionais por seus direitos, a Lei ainda está longe de ser um consenso. Um dos principais pontos - a limitação da jornada de trabalho em oito horas por dia, mais duas horas extras,devendo o motorista parar para descansar a cada quatro horas por no mínimo 30 minutos – continua opondo pessoas e interesses.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), que representa os trabalhadores do segmento do transporte terrestre rodoviário, ferroviário e metroviário, e o Movimento União Brasil Caminhoneiro, que congrega profissionais autônomos, estão de lados opostos. Discordam, entre outros aspectos, sobre a obrigação de haver, ao longo de 24 horas, um intervalo de no mínimo 11 horas, que pode ser fracionado em nove horas mais duas.
Porém, há um ponto de acordo entre eles: faltam postos de parada e apoio, com local seguro para descanso, banho e alimentação, para viabilizar o cumprimento da Lei. Mas, justamente, os artigos 7º, 8º e 10o, que obrigavam a construção destes postos a cada 200 quiilômetros nas estradas, foram vetados pela presidente Dilma. “Estamos questionando o porquê disso, mas não nos dão resposta, afirma Luis Antonio Festino, coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Lei da CNTTT.
A Lei entrou em vigor em 17 de junho de 2012. O motorista é responsável pelo controle do tempo de direção e aquele que não o fizer poderá ser autuado, com multa e retenção do veículo. Veículos acima de quatro toneladas são obrigados a ter tacógrafo. Quem descumprir as exigências de descanso pode ser multado em R$ 127,69 e perder cinco pontos na carteira de habilitação. A fiscalização, porém, é insuficiente e jornadas de mais de doze horas continuam comuns. De acordo com Festino, pouco mais de três mil agentes precisam fiscalizar cinco milhões de motoristas profissionais do Brasil todo. Qualquer órgão do Sistema Nacional de Trânsito pode realizar a fiscalização, no âmbito de sua circunscrição e de suas competências estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro.
“O número de mortes de caminhoneiros já ultrapassou o da construção civil. Só em 2011, morreram 411 caminhoneiros. De 2005 a 2011, foram 2600. É assustador”, lamenta Festino. Ele considera uma incoerência do governo o veto à obrigatoriedade de construção dos pontos de apoio nas estradas, quando os acidentes têm um custo de R$ 35 bilhões por ano e o Ministério da Saúde fala de humanização dos transportes. “O que sai mais caro?”, questiona.
Para Festino, a questão da segurança é o maior mérito da Lei. Segundo ele, leis como esta existem na Europa há 30 anos e funcionam bem. Ele destaca que a lei vale para todos os motoristas profissionais, independente do veículo ou contrato de trabalho. De acordo com o número de caminhões registrados na ANTT, estima-se que um milhão de caminhoneiros trabalhem para empresas transportadoras e outros 800 mil como autônomos.
Pontos de apoio aos motoristas
De acordo com o Ministério dos Transportes (MT), a jornada de trabalho, embora se reflita diretamente nas questões de trânsito, é uma questão trabalhista, e o Governo está buscando uma solução por meio da discussão de propostas com os interessados. Já a disponibilidade de infraestrutura dos postos de serviço, segundo o MT, requer uma análise mais detalhada da situação atual e a definição de uma estratégia viável para a implantação de novos postos e adequação dos postos existentes nos padrões estabelecidos pela legislação. Ambos os assuntos encontram-se em discussão na Casa Civil.
O MT, junto às superintendências regionais do DNIT e suas unidades locais, está realizando um levantamento georreferenciado dos postos existentes em toda a malha rodoviária federal. “A partir desse levantamento, poderá ser feito o mapeamento de eventuais trechos não contemplados por postos de serviços. Contudo, deverá ainda ser verificada a condição desses serviços em termos de segurança, higiene e conforto, na forma estabelecida por Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego. Há de se considerar ainda as características do produto transportado, pois alguns requerem condições especiais, tais como produtos frigoríficos, explosivos e cargas vivas, dentre outros”, esclareceu o Ministério por e-mail.
Questionado se os postos de descanso devem ser de responsabilidade das concessionárias, o MT explicou que não há um modelo pronto, e que é sabido que o Governo não teria como exigir a implantação imediata de postos nas vias concedidas sem um prévio estudo dos impactos em seus contratos ou mesmo sobre o usuário da via. Diante disso, o MT já elaborou um Plano de Ação para definir um modelo para as vias concedidas e outro para aquelas sob a jurisdição do DNIT.
Segundo o MT, outras experiências serão observadas, mas não se pode copiar um modelo sem considerar a realidade brasileira e suas especificidades regionais, além das características técnicas da via quanto ao seu volume e composição do tráfego, principalmente em relação à quantidade de veículos de carga e transporte de passageiros. O Plano de Ação buscará a definir o modelo mais adequado a essa realidade.
De acordo com Moacyr Duarte, diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), a obrigatoriedade dos postos de serviço foi vetada inclusive para novas concessões, portanto nem os contratos antigos nem as novas licitações prevêem isso. “As ações das concessionárias dependem das decisões do poder concedente”, afirma.
Segundo Duarte, não cabe às concessionárias definir onde construir áreas de descanso, mas sim às agências reguladoras, em conjunto com os caminhoneiros. Para ele, o maior desafio é definir os locais, o que exige estudos complexos, com pesquisa de origem-destino. A ABCR hoje tem apenas um levantamento de postos de combustíveis.
Segundo Marco Aurelio Ribeiro, diretor jurídico da Associação Nacional do Transporte de Carga (NTC), a entidade entende que cabe ao Governo a implantação de postos suficientes em toda a malha rodoviária. “Nas rodovias concedidas, a construção fica por conta das concessionárias e nas demais rodovias, o Governo poderia fazer Parcerias Público-Privadas (PPP’s) com a participação da iniciativa privada”, sugere.
Quem tem a jurisdição para construir postos de serviço adequados e bem distribuídos pelas estradas é o Governo, federal no âmbito das rodovias federais e estadual para as rodovias estaduais. O Governo pode transferir a construção para a iniciativa privada.
A NTC vê a Lei como uma medida que vem para reduzir os acidentes no trânsito, trazer mais segurança à comunidade, profissionalização e regulamentação da profissão de motorista. Para ele, cabe às empresas de transporte de carga e aos caminhoneiros cumprir a Lei e seguir as orientações da área de gerenciamento de riscos das empresas e dos órgãos de segurança.
”O mais importante é observar a segurança nas estradas e uma melhor qualidade de vida aos motoristas de caminhão. A questão do custo que será repassado ao consumidor é um valor irrisório em comparação ao custo que a sociedade paga pelo alto número de acidentes e vítimas no trânsito todos os dias”, afirma Ribeiro.
Estima-se que a frota de caminhões represente 3,15% da frota nacional, mas dados da Polícia Rodoviária Federal mostram que eles participaram de 34% dos acidentes ocorridos em 2011. Nas rodovias federais, caminhões foram responsáveis por 1.214 mortes naquele ano.
O impacto econômico
Segundo levantamento do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), a legislação vai elevar o custo do transporte, na média, em 14%, ou R$ 28 bilhões este ano, chegando a R$ 230 bilhões.
O diretor do Ilos, Maurício Lima, disse, em entrevista à Folha de São Paulo, que achava que o governo tinha errado porque o país teria saído de uma situação de completa falta de regulação para uma regulação excessiva. Segmentos como o agrícola e as indústrias de bebidas, de papel de celulose, de material de construção e de alimentos pagam de 6% a 8% de suas receitas líquidas em logística de transporte. Além do aumento de preço, a preocupação é ter fretes suficientes para contratar em momentos de safre recorde.
Em entrevista ao jornal Cruzeiro do Sul, Sérgio Mendes, diretor executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), disse que em função das deficiências logísticas, o frete pago para transporte de grãos no Brasil é 6,5 vezes superior aos valores praticados nos Estados Unidos e na Argentina.
O problema no Brasil, diz ele, é a dependência do transporte rodoviário, que não é o mais indicado para grandes distâncias. Nesses casos, as cargas deveriam ser transportadas por hidrovias ou ferrovias. Segundo a Anec, cerca de 53% da safra brasileira é transportada por rodovia, 36% por ferrovia e apenas 11% hidrovia. Nos Estados Unidos a hidrovia é responsável por 60% do escoamento e as ferrovias, por 35%, restando apenas 5% para o meio rodoviário.
Mais informações:
Impacto da lei 12.619 nos custos do transporte rodoviário de carga, por Maurício Lima,Diretor de Capacitação do Instituto de Logística e Supply Chain, mestre pela Coppe/UFRJ.
Crítica de Rafael de Araújo Gomes, Procurador do Trabalho em Araraquara/SP, ao artigo acima
Regulamentação do exercício da profissão de motorista e imediata implantação da Lei 12.619/2012, por Omar José Gomes – Presidente dada Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT)