« Não adianta legislar sem fiscalizar »
Artigo publicado pelo Senado na revista « Em discussão », em número especial, com título « Explosão de motos e mortes » de Novembro 2012 (página 72).
No Seminário realizado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, nenhum assunto recebeu mais críticas que a deficiente fiscalização do trânsito, acusada de ser a maior causa dos acidentes e mortes.
De responsabilidade de estados e municípios, as ações de fiscalização estão longe de promover a paz, apontam os especialistas, entre eles o consultor do Senado Túlio Leal, para quem só uma ação rigorosa e eficiente desataria esse nó.
José Eduardo Gonçalves, diretor-executivo da Abraciclo, entende que a fiscalização precisa ser ampliada e se tornar mais rigorosa, obrigando, por exemplo, o porte dos equipamentos de proteção, como coletes e capacetes, e a vistoria técnica nos veículos. "Se conseguíssemos implantar as abordagens policiais no período do dia e não apenas à noite, certamente teríamos um resultado melhor na autuação desses condutores”, propõe Gonçalves.
Gisele Flores, do Instituto Sobremotos, ressalta o que parece óbvio: “Não adianta legislar sem fiscalizar. É necessário, sim, aprimorar a legislação, mas também fazer com que seja cumprida. Já existem bons instrumentos legais que podem minimizar a atual situação, se forem cumpridos”.
O sociólogo e especialista em segurança no trânsito Eduardo Biavati concorda. “No interior do Brasil, nada, nenhum poder público impede que se pilote motocicleta sem habilitação, sem capacete e até sem placa e registro na frota. Esse não é mais do que o sinal dos limites estreitos da regulação e presença do Estado no campo da segurança viária. E essa ausência está diretamente relacionada com o mapa da distribuição da morte no trânsito no Brasil” (leia mais adiante: "uso do capacete ainda encontra resistências").
Várias medidas para aumentar a fiscalização foram sugeridas, entre elas a inspeção veicular obrigatória para motos em todas as capitais, maior rigor na aplicação da Lei Seca e efetiva fiscalização do uso do capacete, dos centros de formação e das motoescolas.
Para o advogado Felipe Carmona, a Lei 12.009/09, ao estabelecer responsabilidade solidária entre o contratante e o motofretista, deveria contribuir para diminuir acidentes, mas isso não vem acontecendo. “O tomador de serviço é responsável solidário pelo acidente que o motociclista provoca. Nessa situação, é importantíssimo que quem contrata o serviço faça a adequada fiscalização”, argumenta Carmona.
Segundo a Abraciclo, a falta de manutenção é comum e seria necessário tornar obrigatória a inspeção de pelo menos 30% da frota de motocicletas para retirar de circulação aquelas que não têm condição de trafegar. Essa proposta está sendo avaliada pelo Contran.
Além da reclamação da falta de pessoal, comum a todos os Detrans brasileiros, outra dificuldade para fazer apreensões é que os pátios do órgão estão superlotados em todo o país, informa José Eduardo Gonçalves. Para liberar os pátios para novas apreensões, Gonçalves sugere que o Artigo 328 do Código de Trânsito Brasileiro e a Resolução Contran 331/09 sejam usados com maior eficiência, para que se leiloem rapidamente os veículos apreendidos há mais de 90 dias.
Outras duas medidas poderiam colaborar para a solução do problema, segundo Gonçalves: desvincular os pátios de trânsito dos pátios do Poder Judiciário e ampliar convênios com seguradoras e outras entidades para não só desocupar os pátios, mas também cuidar dos veículos apreendidos de forma a manter seu valor de mercado.
Dirceu Rodrigues Alves Junior, da Abramet, afirma que a Lei Seca não alcança o motociclista, principalmente no Norte e no Nordeste.
Quanto ao abuso de álcool e drogas (veja dados sobre essa e outras causas dos acidentes a partir da pág. 32), o diretor-executivo da Abraciclo propôs o uso do bafômetro também nas abordagens policiais diurnas e a modificação do Código de Trânsito para obrigar os motociclistas abordados a fazer o exame de alcoolemia. A entidade que representa os fabricantes de motocicletas defende ainda a implantação de uma delegacia itinerante para caracterizar flagrantes de alcoolemia.
Além do fortalecimento da fiscalização, os participantes do seminário dizem que sentem falta de estatísticas corretas e aprofundadas sobre os acidentes, imprescindíveis para a compreensão e a solução do problema, segundo José Eduardo Gonçalves. “Precisamos apurar as reais causas dos acidentes de trânsito para acabar com o ‘achismo’. Precisamos descobrir causas científicas, comprovadas, dos acidentes”, disse o diretor da Abraciclo.
O uso obrigatório do capacete é lei desde a edição do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em 1997. Ainda assim, sem qualquer fiscalização, essa não é a realidade para muitos motociclistas no Brasil. Tanto que o Ministério Público do Amazonas precisou firmar, em setembro, um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a Prefeitura de Benjamin Constant e associações de mototaxistas para a utilização de capacete, tanto pelo profissional quanto pelos seus passageiros.
Antes disso, o promotor de Justiça Luiz Alberto Dantas de Vasconcelos havia iniciado uma investigação sobre os constantes acidentes envolvendo motocicletas no município, com elevado número de mortes emdecorrência da não utilização do capacete.
Pelo TAC firmado em Benjamin Constant, foi dado prazo de 15 dias para que os profissionais de mototáxi da cidade passem a usar capacete, dentro dos moldes da legislação em vigor. A prefeitura assumiu o compromisso de fiscalizar e exigir o cumprimento do acordo. Caso descumpra o TAC, estará sujeita a pagamento da multa diária de R$ 1 mil.
Estudo sobre segurança no trânsito divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2009 mostra que usar capacete corretamente reduz em até 40% o risco de morte e em até 70% as chances de sofrer ferimentos graves na cabeça. Quando as leis sobre uso do capacete são efetivamente aplicadas, mais de 90% dos motociclistas passam a usá-lo, ressaltam as estatísticas da OMS. Mas é importante, como alerta a entidade da ONU, garantir a qualidade e seguir as especificações técnicas do equipamento.
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