O seguro DPVAT não cobre os custos
O valor pago pelo DPVAT às vítimas de acidentes é insuficiente diante dos gastos com tratamento
Marina Lemle
(Revisado em 17/04/2011)
Muita gente não sabe, mas em qualquer acidente de trânsito, os feridos ou as famílias dos mortos têm direito a uma indenização. Trata-se do seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), que oferece três garantias: invalidez, despesas médicas e morte. O valor máximo é de R$ 13.500, pagos em caso de falecimento ou invalidez permanente. O valor decresce percentualmente de acordo com os danos (tabela em anexo). Caso o paciente venha a falecer, em consequência do acidente, após ter recebido um percentual por um dano, a família receberá a diferença entre R$ 13.500 e o valor já pago.
O DPVAT também prevê o reembolso de até R$ 2.700 em despesas com atendimento médico-hospitalar comprovadas. Se estas despesas ultrapassarem tal valor, a solução será recorrer ao seguro de responsabilidade civil de quem causou o acidente ou à Justiça, caso não exista seguro.
Um grande mérito do seguro DPVAT é o fato que as indenizações sejam pagas independentemente de apuração de culpa. Mas, para as pessoas que dependem inteiramente do DPVAT, não tendo plano de saúde, as indenizações previstas são claramente insuficientes. Em certos casos, a quantia indenizada às vítimas ou suas famílias pode chegar a ser irrisória se comparadas aos custos que terão pela frente.
De acordo com a estatística Sandra Cunningham, autora de estudos sobre custos de acidentes em rodovias federais, consultora da Contécnica, empresa que presta serviços para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), os custos pessoais e materiais decorrentes do acidente são muito maiores do que os valores indenizados e perduram durante anos.
Segundo Sandra, o custo de cada caso depende da lesão e da resposta do paciente ao tratamento. Estes custos irão integrar o orçamento de uma família por um tempo determinado ou para o resto de suas vidas. “Isso sem contar os casos em que o inválido era o chefe de família, o que possuía maior renda. Nesses casos, além de perder a fonte principal de renda, há o aumento da despesa familiar. E as famílias de baixa renda são as que passam as maiores dificuldades”, ressalta.
Gastos de reabilitação
Sandra Cunningham buscou estimar os custos dos pacientes com base em informações colhidas com a fisioterapeuta Mariana Braga, da Clínica Santa Clara (Valença, RJ), e em pesquisas de preço de produtos e serviços no mercado.
Mariana explicou que cada paciente responde de uma maneira ao tratamento, sendo difícil estimar o tempo específico de tratamento e as conseqüências. O número de sessões semanais de fisioterapia varia de acordo com a gravidade da lesão, podendo ser realizadas todos os dias, inicialmente, e dependendo da resposta do paciente, intercaladas em, no mínimo, duas vezes por semana.
Em uma avaliação geral sobre as lesões apresentadas e a necessidade de fisioterapia, ela separou as lesões em quatro tipos: traumatismo craniano, fraturas de membros inferiores, fraturas em joelho e amputação.
Traumatismo craniano
Em relação a traumatismo craniano, é preciso considerar que a sua gravidade nem sempre é indicada pelo grau de dano externo. Algumas lacerações do couro cabeludo com fratura craniana e dano em tecido cerebral podem ter dano neurológico muito localizado e a recuperação pode ser boa, enquanto alguns traumatismos cranianos sem laceração ou fratura craniana podem causar dano cerebral grave. Esse tipo de lesão fechada pode gerar uma lesão craniana por contragolpe, onde o dano é no lado oposto do choque. Por causa da natureza móvel do tecido cerebral dentro do crânio, os choques podem levar à ruptura por distensão com dano resultante no tecido cerebral e/ou vasos sanguíneos.
A fisioterapia deve ser iniciada no hospital, se o paciente for submetido à traqueostomia e estiver no respirador. Se necessário, o fisioterapeuta deverá fazer sucção torácica para remover secreções; pacientes inconscientes podem precisar de movimentos passivos em todos os membros. A equipe deve ficar atenta a pontos de pressão quanto a sinais de úlceras de decúbito.
Quando o paciente começa a melhorar, o nível de resposta se eleva e o fisioterapeuta deve procurar sempre conversar com ele durante o tratamento, para estimulá-lo. O tratamento fisioterapêutico deverá ser iniciado no hospital e ter continuidade fora dele, até que não haja mais necessidade. A continuidade do tratamento depende da evolução e das necessidades do paciente, e com objetivo de devolver suas funções e capacidade de realização de suas atividades diárias com o máximo de eficácia possível, incluindo: cinesioterapia ativa; fortalecimento muscular; trabalho de equilíbrio de tronco; mudanças de decúbito; trabalho de marcha; trabalho propioceptivo; e hidroterapia, entre outros recursos.
Fraturas de membros inferiores
Nas fraturas de membros inferiores, pode haver uma perda de mobilidade, pois o paciente fica incapaz de andar e pode precisar de muletas, bengalas ou de um andador. A independência deve ser considerada como uma prioridade e pode influir na escolha dos métodos de redução e fixação da fratura. Durante a imobilização, já em casa, se não houver complicações, o fisioterapeuta deve ensinar o paciente a andar corretamente com o aparelho gessado. Quando há edema, o paciente deve saber como posicionar o membro ao sentar ou deitar.
Após a retirada do aparelho de fixação, deve ser iniciado um trabalho de fortalecimento muscular; ganho de amplitude articular; retirada de bloqueio articular, se necessário; trabalho de marcha e hidroterapia.
Fraturas em joelho
As fraturas em patela podem ser provocadas por um choque direto no joelho ou por uma contração violenta no quadríceps. A primeira tende a causar uma fratura do tipo rachadura ou cominutiva, enquanto a última pode produzir uma fratura transversa. O programa de fisioterapia, em casa, para lesões no joelho deve incluir: ganho de arco de movimento; retirada de bloqueio articular; fortalecimento muscular; trabalho de marcha; e hidroterapia.
Amputação
A amputação é realizada quando a cirurgia reconstrutora arterial fracassou, não é tecnicamente possível ou quando o estado do membro é tal que uma boa função não poderá ser obtida.
O programa de reabilitação começa no período pré-operatório, quando o fisioterapeuta deve avaliar o estado físico, social e psicológico do paciente. Depois, no estágio pré-protético, é preciso impedir complicações pós-operatórias, evitar deformidades, controlar edema do coto, manter a força muscular de todo o corpo e aumentar a força dos músculos que controlam o coto, melhorar a mobilidade geral, melhorar o equilíbrio e as transferências, reeducar a marcha, restaurar a independência funcional e tratar a dor do membro fantasma. O ideal é que o programa se inicie antes da cirurgia, tenha continuidade no hospital durante o pós operatório e continue após a alta do paciente para uma melhor adaptação a prótese.
No estágio protético, o paciente é encaminhado a um centro de ajuste de membro, para avaliação. Nem todos os pacientes se ajustam imediatamente a uma prótese. O fisioterapeuta deve fazer um treinamento de marcha, ensinando o paciente a andar para os lados e para trás, a andar em superfícies diferentes, a ficar em pé e sentar em uma cadeira, subir e descer escadas, subir em aclives, pegar objetos no chão, transpor obstáculos, entre outros. Quando o paciente tem alta clínica, deve dar continuidade ao tratamento em casa.
Outros cuidados
No tratamento do inválido, além da fisioterapia, outros cuidados devem ser considerados. O site do Hospital Santa Lúcia (DF) destaca o papel importante do terapeuta ocupacional para um maior desempenho funcional e independência.
É preciso ainda ter cuidados com a pele para evitar a formação de escaras (feridas), decorrentes do contato diário entre o colchão e a proeminência óssea. A higiene corporal é fundamental, assim como o uso de colchões de água e assentos especiais. Os pacientes necessitam de cadeira higiênica com acento para banho e para as necessidades fisiológicas, coletor de urina e, no caso de tetraplégicos, apoio macio para os cotovelos. Paralelamente, cuidados com a alimentação e a ingestão de líquidos melhoram o funcionamento da bexiga e dos intestinos, possibilitando que o paciente saiba quando vai urinar e defecar.
Cadeiras de rodas e carros adaptados também evitam complicações cutâneas e osteo-musculares e diminuem a dependência.
Custos parciais
Diante das necessidades descritas acima, Sandra Cunningham fez uma avaliação preliminar dos custos parciais da invalidez causada por acidentes de trânsito. Estes custos, sozinhos, já mostram que os valores do DPVAT são incompatíveis com a realidade. Por exemplo, o preço mínimo de uma sessão de fisioterapia é de R$50, e a necessidade desse tratamento poderá ser eterna. Uma cadeira de rodas simples varia entre R$ 1.000 e R$ 4.800; uma motorizada entre R$ 6.500 e R$ 7.700; e uma cadeira para banho com assento higiênico custa entre R$140 e R$ 830 (Fonte: Cirurgica Passos). Um colchão de água custa entre R$ 100 e R$ 150 e almofadas diversas, entre R$ 20 e R$ 100 (Fonte: Fisiomed Brasil).
Sandra Cunningham destaca que é preciso considerar, ainda, a questão do deslocamento para as clínicas de tratamento, na maioria dos casos só possível por automóvel. “A Rede Sarah, por exemplo, no Rio de Janeiro, fica em Jacarepaguá, a despesa de taxi é considerável”, diz. Ela lembra também que aqueles pacientes imobilizados na cama precisam de maiores cuidados e mais caros.
Para a estatística, os custos acima mencionados são apenas a “ponta do iceberg” dos gastos necessários no tratamento das vítimas inválidas. “É preciso que o governo reavalie sua política de indenizações”, defende.
Perda de rendimentos futuros
Em valores de 2007, o custo da perda de rendimentos futuros por vítima fatal/inválida situou-se, em média, na ordem de R$ 81 mil, segundo pesquisa médico-hospitalar feita nos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso, Rondônia, Rio Grande do Sul e Bahia pela Ecenge Consultoria e Planejamento para o DNIT, cujo relatório foi lançado em 2009. O valor da perda de rendimento individual foi obtido através do produto dos fatores de capitalização pela renda mensal da vítima vezes doze meses.
Perdas subjetivas
Sandra ressalta que, além da questão financeiro, deve-se levar em conta também os problemas emocionais das vítimas. Estudos demonstram que as vítimas de acidentes de trânsito apresentam ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático e depressão. “As vítimas e suas famílias também necessitam de um acompanhamento psicológico”, afirma.
O custo das psicoterapias até pode ser calculado, mas as perdas subjetivas são muito difíceis de traduzir em números, embora alguns estudos internacionais definam percentuais para representar os chamados ‘custos de dor e sofrimento’, para que constem em metodologias de cálculos de custos de acidentes.
A depressão, a interrupção dos projetos de vida, a dor e a tristeza, compartilhada pelos familiares e amigos não podem ser mensuradas”, diz Sandra.
O seguro DPVAT
O DPVAT foi instituído em 1974 pela Lei 6.194 de 19/12/1974. Inicialmente, a indenização máxima prevista era de 40 salários mínimos e a verba para despesas, de oito salários mínimos. O artigo 3 da lei atrelava a valoração das indenizações do seguro DPVAT ao valor do maior salário mínimo vigente no país. Se os valores fossem atualizados de acordo com o novo salário mínimo, de R$ 545, seriam hoje de R$ 21.800 e 4.360. A Medida Provisória 340, de 29 de dezembro de 2006, entretanto, alterou este artigo, estipulando o valor das indenizações em moeda corrente nos valores de R$ 13.500 e R$ 2.700 e foi confirmada pela Lei n° 11.482 de 2007. Desde então, os valores não são corrigidos, apesar de as taxas cobradas aos donos de veículos terem aumentado.
O pagamento da taxa anual do seguro DPVAT é obrigatório a todos os donos de veículos e é cobrado junto com o IPVA. O valor da taxa varia entre cerca de R$ 100 e R$ 400, dependendo do tipo do veículo. De cada R$ 100 arrecadados com o DPVAT, R$ 45 vão para o Ministério da Saúde para custear o atendimento às vítimas de trânsito, R$ 44 para pagar as indenizações, R$ 5 para programas de prevenção a acidentes, R$ 4 para pagamento de pessoal e R$ 2 vão para as seguradoras.
Conclusão
Diante destas informações, conclui-se que a insuficiência das indenizações pagas pelo DPVAT condena uma vítima de acidente portadora de deficiências graves que não tiver um seguro complementar ou um plano de saúde adequado a conviver com dificuldades financeiras possivelmente insuperáveis.