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Mutilados de uma outra guerra

(Julho 2013)  Série de reportagens do jornal O Globo investiga os números e as pessoas por trás deles

Marina Lemle

As estatísticas impressionam, mas a realidade singular de cada vítima de trânsito causa ainda mais impacto.

Para transmitir aos leitores tanto dados quantitativos quanto o resultado qualitativo dos acidentes de trânsito na vida das pessoas, o repórter Fábio Vasconcellos, autor da série Mutilados de uma outra guerra”, veiculada no jornal O Globo de 9 a 12 de junho de 2013, contou com o apoio do Corpo de Bombeiros, que cedeu microdados de mais de 26 mil acidentes ocorridos em dez meses entre 2011 e 2012 na cidade do Rio de Janeiro.

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Junto com o fotógrafo Pedro Kirilos, Vasconcellos acompanhou operações de resgate dos Bombeiros e entrevistou vítimas, parentes de vítimas, profissionais de saúde e especialistas em trânsito, que ajudaram a expor com detalhes uma dura realidade raramente exibida nos meios de comunicação. As histórias das vítimas são permeadas com análises de dados estatísticos, fazendo, constantemente, a ponte entre números e pessoas.

Vasconcellos descobriu que a cada 20 minutos ocorre um acidente com vítima na cidade. Em 2012, segundo os dados dos bombeiros, foram 22 mil casos de colisões, atropelamentos, capotamentos e quedas de motos, o que representa um aumento de 62% em relação a 2007, cinco anos antes.

O crescimento de 63% da frota de motos na cidade entre 2007 e 2012 seria um dos motivos do aumento do número de acidentes. A frota como um todo cresceu 27%, sendo os automóveis responsáveis por 21% de aumento. Os ônibus do transporte público e privado, embora representem apenas 1,3% do total de veículos da cidade, estão envolvidos em 13% dos atropelamentos. Ônibus e motos costumam rodar mais do que os carros particulares, o que amplia a probabilidade de se envolverem em acidentes e indica a necessidade de maior preparo dos profissionais condutores.
A partir da tabulação dos microdados dos Bombeiros, o jornal identificou dias, horários e locais de maior incidência de acidentes e algumas características das vítimas. Os acidentes acontecem com maior frequência entre meio-dia e 21h (47%) e às sextas-feiras, aos sábados e domingos (50%). Os capotamentos também se concentram entre sexta e domingo (58%), mas entre meia-noite e 9h (43%). Já as quedas de moto têm maior ocorrência entre sexta e domingo (53%), e entre 15h e meia-noite (47%).

Os dados revelam que 58% dos acidentes são resultados de colisões. Em seguida, figuram atropelamentos (22%), quedas de moto (13%), capotamentos (4,7%) e quedas de bicicleta (1,6%). Entre as vítimas, a maioria é de homens (69%). A faixa etária das vítimas concentra-se entre 17 e 35 anos (52%). A metade dos feridos são os próprios condutores de veículos e motos. Pedestres e passageiros traseiros correspondem, cada, a 19% das vítimas.

O estudo também permitiu identificar as vias mais perigosas da cidade. A Avenida Brasil teve 12% das ocorrências (2.097) e faz parte do grupo de 20 ruas do Rio que concentram cerca de 40% dos registros de acidentes. A Avenida das Américas vem em seguida, com 6% (1.000). Também foram mapeados e ranqueados os tipos de acidentes que ocorrem em cada local. Especialistas percorreram as vias com a equipe do jornal e identificaram os principais problemas, apontados num infográfico

No ano passado, 281 pessoas morreram no local do acidente ou no percurso até o hospital, segundo os Bombeiros. Foram contabilizados 24 mil feridos, alguns com sequelas temporárias, outros com lesões definitivas. “E tudo isso em plena campanha mundial, lançada pela ONU, pela redução no número de acidentes até 2020”, ressaltou o repórter.

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No vídeo do making of da série de reportagens, o repórter Fábio Vasconcellos conta que o trabalho começou a ser concebido no final de 2011. Após receber e estudar os dados dos Bombeiros, a dupla foi para a rua.

“Há histórias dramáticas, que não estão sendo contadas, de pessoas que vão ter que viver o resto de suas vidas numa cama, ou terão que conviver com uma mutilação no corpo, e que terão que reaprender a viver em razão de alguma sequela”, diz.

O fotógrafo Pedro Kirilos conta que colocou câmeras no capacete dos Bombeiros para capturar a visão deles ao chegar na cena e prestar os primeiros socorros.

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“Rodamos 200 quilômetros em dez horas, flagrando imprudências de pedestres e motoristas de ônibus, vans e motoqueiros. Também foi muito interessante poder fotografar os mutilados, tanto jovens e adultos. Foi um processo complicado, e foi meu primeiro trabalho no sentido de convencer as pessoas a se exporem a uma foto nua e crua delas sem uma parte do seu corpo, o que é bem chocante”, conta.

Motociclistas e pedestres: risco vermelho

De acordo com o diretor do Hospital Miguel Couto, Luiz Alexandre Essinger, após a Lei Seca notou-se uma queda no número de mortos e feridos entre motoristas, mas o aumento de vítimas motociclistas é constante.

Cerca de 53% das vítimas de queda de motos ou de colisões são classificadas pelos bombeiros com risco vermelho, ou seja, que inspiram maiores cuidados. Nos dez meses registrados entre 2011 e 2012, o número absoluto de motociclistas feridos e com gravidade vermelha chegou a 1.338. No caso dos atropelamentos, 70% das vítimas estão nessa classificação, o que representou, no período, 766 casos.

Essinger explicou que um paciente de risco vermelho apresenta traumatismo craniano, da coluna ou do tórax, ferimentos mais comuns em motociclistas e pedestres. Segundo ele, tem havido menos mortes instantâneas nos acidentes, mas a gravidade dos ferimentos piorou. Isso se explicaria pela maior capacidade e agilidade de atendimento dos bombeiros, que têm conseguido dar um melhor atendimento aos feridos em situação muito grave.

Ipea faz novo estudo sobre custos de acidentes

A reportagem ‘Violência no trânsito: com morte, valor perdido chega a R$ 800 mil’ enfocou os grandes custos sociais dos acidentes de trânsito para as cidades. Para cada vítima em situação grave, gasta-se, em média, R$ 200 mil. No caso de mortes, pode chegar a R$ 800 mil, segundo estimativas preliminares de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que trabalham num novo estudo sobre o custo total dos acidentes. Eles estão fazendo a atualização monetária e incorporando outras variáveis ao estudo anterior, de 2004.

Em artigo publicado junto com as reportagens da série Mutilados de uma outra guerra, o engenheiro Fernando Diniz, que após a morte do filho Fabricio em acidente criou a ONG Trânsito Amigo, estudou segurança de trânsito e dedica-se a combater a impunidade da violência no trânsito, afirma: “Aqui no Brasil, tragédias de trânsito são tratadas como algo imprevisível, desconsiderando-se que as mesmas são perfeitamente evitáveis.”

Veja a séria completa no Globo Online:

A cada 20 minutos, um acidente com vítima nas ruas do Rio

Metade dos acidentes de trânsito ocorre de sexta a domingo

‘A gente trata a dor fantasma’

No trânsito, 17% dos socorridos em acidentes têm sinal de embriaguez

Ônibus representam 15% dos casos de acidentes

Diretor da CET-Rio defende campanha de educação no trânsito

Violência no trânsito: com morte, valor perdido chega a R$ 800 mil

Artigo: Trânsito, a epidemia impiedosa

O mapa da violência no trânsito

Flagrantes de imprudência e problemas no trânsito do Rio

Infográfico: bandalhas na travessia da Presidente Vargas

Vídeo: Making of da série Mutilados de uma outra guerra

Vídeo:Acompanhe o trabalho dos bombeiros num acidente de trânsito

Leia também no Globo:

Brasil é um dos cinco países onde mais se morre no trânsito

Imprudência e velocidade reforçam as estatísticas

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