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Privação do sono aumenta riscos de acidentes graves

Impacto em alta velocidade em obstáculo parado e queda em precipício são exemplos de acidentes graves que podem ser causados por sonolência. Nova lei para motoristas profissionais estabelece repouso de 11 horas por dia e descanso de 30 minutos a cada quatro horas trabalhadas.

Marina Lemle

Pálpebras e cabeça pesadas, olhar fixo, bocejos contínuos. Não se engane, motorista, é o sono chegando. Procure um local seguro e tire um cochilo, antes que um cochilo possa tirar uma vida.

Um motorista sonolento pode causar acidentes graves, como colidir em alta velocidade em obstáculos parados ou cair em precipícios. A falta de atenção pode levá-lo a sair da pista, invadir o acostamento ou deixar de observar sinais de trânsito, colocando em risco a própria vida e a de outras pessoas.

Segundo o neurologista Rubens Reimão, líder do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), os acidentes causados por sonolência acontecem mais em situações monótonas, como estradas vazias, e à noite, durante o horário normal do sono. “Quando não há sinal de breque ou desvio antes de um obstáculo, é provável que o motorista tenha dormido”, afirma.

Segundo Reimão, pioneiro no estudo do sono no Brasil, a chance de acidente aumenta quando o motorista não dormiu o suficiente na noite anterior. “São necessárias de sete a oito horas de sono por noite. Mais do que uma hora a menos do que essa média pode deixar a pessoa sonolenta durante o dia, fazendo com que perca a rapidez no alerta, podendo provocar acidentes de vários tipos”, diz.

Reimão explica que cerca de metade das pessoas que sentem sono durante o dia não dormiram o suficiente. Segundo o médico, há uma tendência mundial cada vez maior à privação do sono, seja por auto-indução ou por pressão da sociedade. “Dormir pouco é uma epidemia. As pessoas ficam ligadas na internet, trabalham até tarde e não dormem o suficiente. No dia seguinte, são incapazes de dirigir bem”, afirma. Ele diz que não se deve dirigir nos horários em que se tem mais sono. “Ter uma pessoa ao lado conversando ajuda a se manter alerta”, recomenda.

De acordo com o neurologista Shigueo Yonekura, do Instituto de Medicina e Sono de Piracicaba e Campinas, o sono é um dos principais vilões das estradas, sendo responsável por um quarto dos acidentes no Brasil. Ele sugere que, durante uma viagem, o motorista faça paradas a cada duas horas para andar, tomar líquidos, respirar bem e relaxar as pernas e o pescoço. Também deve-se evitar comer demais e ingerir alimentos pesados, assim como álcool ou outro tipo de droga.

Segundo Yonekura, um levantamento feito com base nos dados da Polícia Rodoviária Federal de 2001 e 2002 sobre ocorrências em estradas federais revela que o sono é responsável por um em cada quatro acidentes de trânsito nas rodovias do país.

Risco aumenta à noite e depois do almoço

 “É preciso descansar bem antes de fazer uma viagem. O motorista deve estar bem disposto e decidir qual o melhor horário para ficar horas ao volante. Muitas vezes os melhores horários para fugir do trânsito nas estradas são os mais arriscados. O risco de morte é quatro vezes maior nos acidentes noturnos”, afirma.

Yonekura cita uma pesquisa da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), que identificou que entre janeiro e agosto de 2006 aconteceu uma morte a cada 25 acidentes registrados nas rodovias paulistas concedidas à iniciativa privada no intervalo das 20h às 4h. Já das 8h às 12h houve uma morte a cada 93 acidentes e das 12h às 16h uma a cada 85.

“Na madrugada o fluxo melhora, os veículos aumentam a velocidade e os motoristas ficam mais sujeitos ao cansaço e sonolência. A temperatura do corpo cai de madrugada e os condutores ficam mais propícios à perda de coordenação motora e reflexo. O motorista não pode se arriscar e sair à noite depois de um dia todo de trabalho e enfrentar horas de viagem”, diz.

O psiquiatra Dirceu de Campos Valladares, da Fundação Nacional do Sono (FundaSono), em Belo Horizonte, alerta também para o risco do sono após o almoço. Segundo ele, entre 1 e 3 horas da tarde ocorre o primeiro pico de sonolência em pessoas que dormiram pouco. De acordo com o especialista em sono, o risco de envolver-se em acidente dobra quando a pessoa está sonolenta.

O médico observa que as estatísticas de mortos em estradas não incluem as vítimas que morrem depois, nos hospitais, e aquelas que ficam deficientes devido aos acidentes que sofreram. Para ele, uma melhor perícia dos acidentes ajudaria a identificar aqueles causados por sono.

Em 1997 e 1998, um estudo conduzido pela Clínica do Sono, de Valladares, entrevistou 639 motoristas de carros de passeio em Minas Gerais para conhecer o grau de incidência de sonolência em motoristas não-profissionais no estado. Sete por cento dos entrevistados admitiram ter dormido ao volante, provocando acidentes, e 38% afirmou já terem se envolvido em acidentes, mas alegaram não ter cochilado. Entretanto, a pesquisa concluiu que todos os motoristas envolvidos em acidentes eram igualmente sonolentos, mesmo sem ter consciência disso. “São pessoas que sofrem de ansiedade ou irritabilidade, que mascaram a sensação de sonolência”, explica.

Valladares recomenda que pessoas que atinjam mais de 10 pontos na escala de Epworth – um teste com oito questões que avalia a sonolência – procurem auxílio médico.

Apneia e doenças do sono requerem tratamento

Quem dirige deve dar mais atenção a doenças que afetam a qualidade do sono. Um exemplo é a apneia, caracterizada pelo fechamento repetitivo da passagem do ar na garganta durante o sono. A apneia, que atinge cerca de 5% da população, é considerada uma doença grave. Segundo o neurologista Yonekura, ela pode provocar pressão alta, infarto do miocárdio, arritmias cardíacas e derrame cerebral. Estudos mostram que cerca de 30% dos casos de hipertensão arterial estão relacionados à doença.

 “Quem sofre da síndrome está mais sujeito a sofrer acidente de trânsito porque ao longo da noite adormece, para de respirar, acorda, reinicia a respiração, torna a adormecer, para de respirar novamente e assim sucessivamente. O ronco, a sonolência ou fadiga diurna excessiva estão entre os principais sintomas da doença”, esclarece.

De acordo com Valladares, o principal tratamento contra a apneia hoje é o CPAP Nasal, uma bombinha usada ao dormir para facilitar a respiração. Outros problemas respiratórios, como rinite e outras alergias, também afetam o sono e afetam a qualidade de vida. Segundo ele, aprender a fazer a limpeza regular do nariz para retirar a secreção e ter cuidados de limpeza da cama, dos travesseiros e do quarto também ajudam a controlar problemas respiratórios.

“De 30 a 35% da população tem alergia a ácaro e de 20 a 25% tem rinite”, afirma. “O oxigênio é o nosso principal alimento, é o topo da nossa cadeia alimentar”, diz.

Outra doença grave, porém mais rara, é a narcolepsia, que atinge uma a cada duas mil pessoas no mundo. Caracteriza-se por ataques súbitos de sono, levando a pessoa a adormecer onde quer que esteja. Nos Estados Unidos, portadores de narcolepsia têm suas carteiras de motorista cassadas até provarem estar sob tratamento com medicamentos específicos.

A insônia crônica, isto é, a dificuldade de dormir pelo menos três vezes por semana e por mais de 30 dias, também aumenta a probabilidade de acidente. A falta de sono, segundo Valladares, leva à obesidade e à falta de exercício físico, que por sua vez, prejudica ainda mais a respiração. “Dormir mal é uma bola de neve”, alerta. Ele afirma que o desempenho de uma pessoa que dorme bem é muito superior. “Pessoas que fazem tratamentos têm uma grande melhora na sua qualidade de vida como um todo, inclusive na relação com a família”, diz.

O médico conta que a FundaSono fará uma nova pesquisa, desta vez encomendada pelo Sindicato de Transportadores do Estado de MG, que avaliará a sonolência de motoristas através da pupilografia. Ele explica que o tamanho da pupila da pessoa acordada varia na sonolência. A pesquisa também avaliará as condições de visão e audição, que se estreitam quando o sono aumenta.

Para Valladares, uma medida que poderia reduzir os casos é o compartilhamento de veículos por mais motoristas, de forma que um motorista possa descansar enquanto outro dirige. 

Caminhoneiros se iludem com rebites

Um grupo de risco, segundo o neurologista Rubens Reimão, são os caminhoneiros, que tendem a fazer jornadas muito longas. Muitos tomam estimulantes proibidos (conhecidos como “rebites”) para manter o alerta. “Essas drogas não funcionam. O motorista tem a sensação de que está bem por causa do componente euforizante, mas na verdade tem um déficit de atenção. São comuns os acidentes ao chegar ao destino”, revela.

Pesquisa realizada por Reimão em conjunto com o psiquiatra José Carlos Souza, professor da Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande (MS), e a neurologista e professora da Universidade de Lisboa Teresa Paiva avaliou os distúrbios do sono, trabalho em turnos, sonolência excessiva diurna e qualidade de vida de 206 caminhoneiros brasileiros e 200 portugueses. A pesquisa concluiu ser alta a prevalência de distúrbios do sono nos dois países, mas no Brasil é maior: 35,4% dos caminhoneiros brasileiros sofrem do problema, contra 21% dos portugueses, que dormem mais tanto nos dias de trabalho quanto nos de folga. Entre os brasileiros, 43,2% dirigem mais que 16h/dia.

De acordo com Valladares, o consumo de álcool por caminhoneiros agrava os riscos nas estradas. “O álcool faz perder os reflexos. Em baixa quantidade, somado à sonolência, torna-se ainda mais perigoso, porque os motoristas dormem e causam acidentes muito graves ou fatais”, afirma. Ele acrescenta que os rebites são mais um risco a mais, já que quando o efeito acaba os motoristas não percebem e chegam a dormir de olho aberto: “Eles viram homens-bomba, com cargas pesadas, de até 50 toneladas.”

Os motoristas de ônibus também estão na mira dos especialistas. Um estudo feito pelo Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de 2000 mostrou que 16% dos motoristas de ônibus admitiram cochilar durante o trabalho, mas a real proporção seria de 48%.

Felizmente, o risco alto do sono ao volante pode ser controlado por tratamento. Em parceria com uma empresa de ônibus que tinha um índice de 3,6 mortes para cada 100 mil quilômetros rodados na sua linha mais crítica, os médicos da Unifesp trataram os motoristas e o índice caiu para 0,6 mortes. 

País ainda não tem estatísticas mas avança na regulamentação

O Brasil não tem estatísticas sobre o número de acidentes ou mortes provocadas pelo sono ao volante. Os especialistas costumam usar como referência os resultados de uma pesquisa da Universidade de Gênova, na Itália, que concluiu que entre 26% e 32% dos acidentes de trânsito no mundo e entre 17% e 19% das mortes são provocados por cochilos na direção. A Associação Brasileira do Sono (ABS) estima que o sono seja responsável por 30% das mortes e 20% dos acidentes no país.

Com base nos dados disponíveis, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou em 15 de fevereiro de 2008 a resolução 267 (alterada pelas resoluções 283 e 327), que determina que motoristas que quiserem tirar ou renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias C (para dirigir caminhões), D (ônibus) e E (carretas), além da avaliação médica padrão, devem submeter-se a exames para detecção de distúrbios do sono. Não há previsão de que a exigência seja estendida a motoristas de carros e motos.

No dia 14 de junho de 2012, foi publicada no Diário Oficial da União a regulamentação da jornada de trabalho dos motoristas profissionais. As resoluções 405 e 406 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) detalham como será feita a fiscalização sobre as horas de descanso obrigatórias, previstas na Lei 12.619/2012, de 30 de abril, que regulamenta a profissão de motorista.

A Resolução 405, que entra em vigor em 29 de julho, estabelece um repouso de 11 horas por dia e descanso de 30 minutos a cada quatro horas trabalhadas. A lei determina que a fiscalização poderá ser feita também pelo registro manual da jornada, por meio de diário de bordo ou ficha de trabalho. O descumprimento da norma é uma infração grave, sujeita a multa e retenção do veículo.

As medidas alcançam o motorista profissional dos veículos de transporte e de condução de aluno, de transporte de passageiros com mais de dez lugares e de carga com peso bruto total superior a 4.536 kg. O controle do tempo de direção e descanso será feito pelo tacógrafo, registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo do veículo. O equipamento é obrigatório para veículos de transporte escolar, de passageiro e de carga e deve ter a certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), de acordo com a Resolução 406, que tem vigência imediata após a publicação.

De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a regulamentação é um avanço para a categoria e visa à redução de acidentes provocados por cansaço dos motoristas profissionais. 

Mais informações:

Leis e resoluções:

Resolução 267 - Contran ((alterada pelas resoluções 283 e 327)

Resolução 405 - Contran

Resolução 406 - Contran

Lei 12.619/2012

Pesquisas:

Sono, qualidade de vida e acidentes em caminhoneiros brasileiros e portugueses

José Carlos Souza, Teresa Paiva e Rubens Reimão

Distúrbios do sono, sonolência e acidentes de trânsito
Marco Túlio de Mello, Eduardo Henrique Rosa Santos e Sergio Tufik

Sonolência durante o horário de trabalho: um grande perigo para a ocorrência de acidentes

Marco Túlio de Mello, Eduardo Henrique Rosa Santos e Sergio Tufik

 Sleep and Sleepiness among Brazilian Shift-Working Bus Drivers

 Eduardo H. R. Santos, Marco Tulio de Mello, Marcia Pradella-Hallinan, Ligia Luchesi, Maria Laura Nogueira Pires e Sergio Tufik

 Sleep patterns and sleep-related complaints of Brazilian interstate bus drivers
M.T. Mello, M.G. Santana, L.M. Souza, P.C.S. Oliveira, M.L. Ventura, C. Stampi e S. Tufik

 Notícias em outros sites:

 Fantástico – TV Globo

 Simulador mostra que sono equivale a embriaguez no volante

 Motorista de táxi, monitorado pelo Instituto do Sono, apresenta queda nos reflexos e no tempo de reação ao longo de cinco testes realizados. (Exibida em 1o de julho de 2012)

 Estadão.com.br

 Sono provoca até 32% dos acidentes de trânsito

Motoristas profissionais terão que passar por exames para diagnosticar distúrbios do sono (Publicada em 1o de março de 2008)

Revista Consultor Jurídico

Lei do motorista regulamenta a jornada de trabalho

Além de reconhecer a existência de direitos reivindicados judicialmente pelos trabalhadores, nova legislação dá segurança jurídica aos empregadores (Publicada em 2 de julho de 2012)

Sites institucionais:

Fundasono - Fundação Nacional do Sono (Dr. Dirceu de Campos Valladares)

Instituto do Sono (Dr. Shigueo Yonekura)

Instituto do Sono (Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa)

Grupo de Pesquisa avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas da USP

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