O custo da insegurança no trânsito
A propósito da polêmica sobre a tentativa de adiamento do ABS e do airbag
Artigo de David Duarte Lima, professor da Universidade de Brasília, doutor em segurança de trânsito, presidente do IST - Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito
Publicado no Correio Brasiliense,17/12/2013
O ABS e o airbag são itens obrigatórios nos carros fabricados no mundo desenvolvido. Em abril de 2009 o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, editou a resolução 312 tornando obrigatório esses equipamentos em todos os carros fabricados a partir de 2014. São itens de segurança muito eficientes.
O ABS (Anti-lock Braking System) é um sistema de frenagem que evita o bloqueio das rodas e a derrapagem do veículo quando o freio é acionado fortemente. Disponível desde 1978, o ABS diminui o risco de colisão pois encurta a distância de frenagem.
O airbag é uma bolsa de ar que se infla quando ocorre uma colisão. É uma tecnologia que equipa carros desde os anos 1980. Nos Estados Unidos salvou mais de 30 mil vidas nos últimos vinte anos. O airbag é um equipamento de segurança passiva, porque limita os danos em caso de colisões, enquanto o ABS é de segurança ativa, porque evita colisões.
O Brasil demorou a adotar medidas para equipar os carros com esses itens de segurança. Nossos carros são “carroças”, no dizer de um ex-presidente. Pior: são perigosíssimos. Para um mesmo nível de impacto, os carros brasileiros são quatro vezes mais letais que os americanos. Além de ainda fabricar alguns carros com segurança precária, temos uma espécie de “passivo” – a imensa frota de veículos velhos, sem manutenção e da época em que carros seguros era um luxo para poucos. A inspeção de segurança veicular, prevista no Código de Trânsito Brasileiro de 1997, poderia retirar das ruas os veículos perigosos, mas até hoje esse artigo da lei não saiu do papel.
Nos últimos dez anos a mortalidade no trânsito tem diminuído em quase todo o mundo. Nos Estados Unidos decresceu 40%, na Espanha 60%. Os governos desses países adotaram programas de segurança de trânsito para proteger a vida de seus cidadãos. Na contramão, nesse mesmo período o número de mortes de brasileiros aumentou 50%, consequência evidente da negligência governamental. A morte de 50 mil brasileiros e um milhão de feridos anualmente parecem não sensibilizar os membros do governo.
Com o adiamento da obrigação das montadoras de equipar os carros com airbags frontais e ABS, o governo brasileiro piora ainda mais a segurança no trânsito. Observando exclusivamente o lado econômico e sem consultar o Conselho Nacional de Trânsito, o ministro da Fazenda, disse estar “preocupado com o impacto sobre os preços dos carros, porque isso eleva o valor deles entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil”. Se não estivesse com a visão turva pela proximidade de eleições, pelos índices de inflação e pelo superávit primário, talvez entendesse que o custo da insegurança é muito maior que o da segurança. O país gasta anualmente 40 bilhões de reais com vítimas de trânsito, seja em custos hospitalares, em previdência social, ou para enterrar seus mortos. Em uma conta simples, a cada real investido na prevenção de desastres de trânsito, economizam-se dez em hospitais, previdência social, prejuízos com perda de produção. Mas, se isso é exigir demais, o que dizer se os argumentos envolvessem vidas, lesões irreversíveis, dor de famílias?
O argumento de preservação de empregos ou impacto econômico nas montadoras tampouco se sustenta. O lucro dos fabricantes de automóveis no Brasil é de 10%, contra 3% nos Estados Unidos ou 5% como média mundial. Os 4.000 empregos que seriam perdidos, segundo cálculos do ministro, facilmente seriam compensados nos setores beneficiados com a inovação. Se confrontados com os benefícios de vidas poupadas, lesões mitigadas e diminuição dos custos dos desastres automobilísticos, a argumentação econômica do governo cai por terra definitivamente.
As montadoras tiveram tempo suficiente para se preparar. Não podem continuar fabricando carros rudimentares e obsoletos, como se a vida dos brasileiros valesse menos que a de norte-americanos ou europeus. O governo não pode continuar negligenciando a segurança no trânsito em nome de interesses econômicos. A julgar pelas declarações infelizes do ministro Mantega, os arautos do atraso podem ganhar uma vez mais. É de matar!