A calçada e o pedestre
Nota técnica NT 075/81 da CET Companhia de Engenharia de São Paulo
Maria da Penha N.C. Boucinhas, 30/10/1981
Introdução
Com o crescimento dos aglomerados urbanos, de uma forma as vezes não muito controlável, precisamos começar a considerar os espaços vitais necessários para que seus habitantes, cada vez em maior número, possam se locomover, seja por pequenas ou grandes distâncias.
Para que isto aconteça, é necessário que sejam analisados de uma maneira mais detalhada os limites que definem os espaços urbanos, como um quadra ou uma via.
Neste trabalho, vamos nos deter, de uma maneira um tanto resumida, nos problemas relacionados à via local, onde convivem diferentes tipos de usuários em áreas comuns ou públicas.
Em primeiro lugar, a via define, para o homem, seus limites visuais, seus limites físicos, a paisagem urbana enfim. Temos que considerar que estes limites físicos estabelecidos muitas vezes por edificações escondem, por detrás, a vida de cada pessoa que vive em cada lote ou em cada edificação e que pertence ao aglomerado urbano de uma forma comunitária.
O espaço assim criado é vivo, tanto atrás de seus limites como internamente a eles, já que a via é um espaço público, onde atividades diferenciadas ocorrem de uma forma dinâmica e onde elementos estáticos, como o mobiliário urbano, possibilitam a complementação do espaço, permitindo o desenvolvimento de novas atividades junto a eles.
Assim, a via tem acima de tudo, uma função social dentro do contexto global da cidade, permitindo que por meio dela seja possível atingir locais onde novas atividades se desenvolvem.
O dimensionamento de uma via deveria considerar todos estes aspectos. No entanto, o que enfrentamos é o oposto, pois a via em geral já existe; atividades das mais diferenciadas e nem sempre desejáveis já se encontram alojadas nos seus lotes lindeiros e nem sempre existe uma calçada suficientemente larga para a circulação de pedestres.
Cada habitante de uma cidade ou de um aglomerado urbano é, em algum momento de seu dia ou de sua vida, um pedestre. Na visão geral de uma cidade, o pedestre assume uma posição importante como meio de locomoção, já que por vários motivos, muitas viagens são feitas a pé. Na integração dos meios de transporte, os deslocamentos a pé são numerosos e sem eles esta integração não seria possível.
Nos centros urbanos principalmente, as distâncias percorridas pelos pedestres são extremamente grandes em comparação com outras regiões da cidade em função da necessidade de acesso aos locais de trabalho ou de prestação de serviço.
As calçadas
A calçada, como já foi dito, é um elemento fundamental para a circulação do pedestre e um dos componentes da via. Deve-se dar a maior importância ao tratamento e projeto de uma calçada, valorizando seu uso pelo pedestre e não permitindo sua invasão pelos outros meios de transporte. As calçadas estão localizadas geralmente junto aos lotes lindeiros, existindo, entretanto, os chamados canteiros centrais ou ilhas onde muitas vezes são construídas calçadas sem a menor proteção em relação aos veículos.
Por outro lado, estas mesmas ilhas podem ser utilizadas quando convenientemente tratadas, como refúgio para pedestre, na travessia de vias extremamente largas.
A largura mínima de uma calçada deveria ser de 2,50m para que duas pessoas pudessem se cruzar com alguma folga sem problemas, mantendo uma distância razoável do leito carroçável.
O estudo "Projeto-Piloto - Deficientes Físicos e Visuais", BT n.º 24/CET, demonstrou a necessidade de se procurar, mesmo em calçadas onde haja grande fluxo de pedestres, manter uma largura de 1,20m livre de obstáculos, para possibilitar a circulação segura de uma pessoa em cadeiras de rodas, ou de uma pessoa empurrando um carrinho de bebê, de compras, etc.
Por exemplo, calçadas onde são plantadas muitas árvores ou onde são instalados muitos equipamentos urbanos deveriam ter uma largura de cerca de 5 metros para que o exposto acima fosse possível.
O tratamento da área definida pela calçada e que separa o fluxo de pedestres do fluxo de veículos, assim como a natureza dos motivos dos deslocamentos, influenciam na velocidade com que o pedestre se locomove e na sua disposição para participar das atividades e dos equipamentos que por ventura existam no seu percurso.
Tendo em vista que geralmente os veículos possuem na via uma continuidade física, só interrompida pelos semáforos ou pelo direito de passagem nos cruzamentos, o pedestre sofre, no seu percurso, uma descontinuidade física, com bloqueios e desconforto ocasionados por obras na calçada, veículos estacionados, pavimentos estragados e irregulares.
Para os veículos, é possível se estabelecer uma rede viária composta por uma série de vias de características diferentes. Para os pedestres, são destinados trechos de calçadas, praças, parques ou até mesmo vias unicamente para seu uso (áreas de pedestres), mas que no seu conjunto não formam um sistema integrado. Assim surgem os denominados conflitos entre pedestres e veículos, justamente onde os pedestres, para atingir o outro lado da via, sai de seu trecho da via, que é a calçada e invade o leito carroçável.
Problemas de segurança seríssimos surgem nesses conflitos, pois é necessário se compatibilizar o volume e a velocidade do pedestre, com a largura da via, com o volume de tráfego e a velocidade dos veículos, o que nem sempre é possível de forma satisfatória, principalmente nos centros dos grandes aglomerados urbanos.
Podemos dizer que a largura da calçada deve depender de muitos fatores, destacando-se entre eles:
Fluxo de pedestres
1. Numa via comercial com atividades intensas e com paradas freqüentes dos pedestres, pode-se considerar uma média de 500 pedestres por hora, por metro de largura da calçada.
2. A experiência demonstra que a velocidade de deslocamento é muito maior se o motivo for o trabalho, podendo-se considerar 1500 pedestres por hora por metro de largura de calçada.
3. Em passagens subterrâneas ou áreas, que permitam atravessar uma via ou acesso ao metrô, experiências demonstraram que as pessoas circulam mais depressa ainda e admitem uma proximidade maior entre elas. Admite-se para cálculo no máximo 3 mil pedestres por hora, por metro de largura (os dados relativos ao volume de pedestres por hora por metro de largura da calçada foram utilizados da publicação Les Voies Urbaines). Nestas condições não é possível que um pedestre pare para conversar ou por qualquer outro motivo. Se for necessário a formação de filas, por exemplo, para a compra de passagens ou espera de ônibus, é preciso reservar um espaço
especial para esta finalidade, isolado da via de circulação normal.
Uso do solo lindeiro
É necessário se considerar o tipo de ocupação do solo pois a intensidade, a freqüência e a velocidade dos deslocamentos estão diretamente ligadas às atividades lindeiras, como por exemplo comércio, escolas, fábricas, residências, etc. Muitas vezes, estas atividades demandam um espaço extra fora do lote, onde as pessoas se concentram para esperar, pegar ônibus ou mesmo para atravessar a rua.
Sinalização de trânsito
A sinalização de trânsito, por questões de segurança de tráfego e de espaço disponível, é implantada sobre a calçada. Se consideramos as colunas de semáforos, os postes de sinalização vertical, além dos postes de iluminação da rua ou de fios de trolebus, veremos que o espaço disponível para a circulação se reduz consideravelmente em alguns trechos da calçada, como por exemplo, nas esquinas.
Mobiliário urbano
Para oferecer maior facilidade aos pedestres, são instalados telefones públicos, caixas de correio, bancas de jornais, bancos, abrigo de ônibus e outros equipamentos que prestam seu serviço, mas contribuem para a redução do espaço disponível para a circulação.
Em determinadas regiões dos aglomerados urbanos, formam-se filas imensas em telefones públicos, muitas vezes, pela largura da calçada, impedindo a passagem dos outros pedestres. Outras vezes, bancas de jornais, permitem que passe uma pessoa de cada vez pelo trecho onde ela está instalada, se alguém não estiver parado, comprando algum jornal ou revista.
Vegetação
Pode-se tornar mais agradável a circulação de pedestres por determinados caminhos, se os arborizarmos. Entretanto, a introdução de árvores e de canteiros deve ser acompanhada da preocupação de possibilitar sempre a passagem das pessoas sem o risco de se machucar em espinhos ou tropeçarem em raízes. Assim, a escolha da vegetação correta é um outro fator importante, a fim de facilitar o acesso dos pedestres e seus destinos de uma forma agradável.
A vegetação considerada agressiva (espinhos, folhas pontiagudas, etc.) deve ser evitada sempre que possível em locais públicos onde exista circulação de pedestres.
Segurança
Sendo o pedestre a peça mais frágil de toda a paisagem urbana, o espaço que lhe é reservado deve ser sempre o mais seguro possível. Dentro deste conceito, a separação entre a calçada e o leito carroçável deve ser sempre materializada por diferenças de nível, marcas no solo, revestimento diferente dos pavimentos, jardineiras, arbustos, gradis e outros.
Conclusão
Este trabalho visou apenas a introdução de novos conceitos que a nosso ver devem ser considerados, quando se projeta a alteração de um cruzamento por problemas de acidentes de veículos, atropelamentos ou congestionamentos, ou quando se faz um plano de melhoria para uma determinada região. Ao pensarmos na circulação dos veículos, na fluidez e segurança, devemos considerar, também, a circulação dos pedestres, sua fluidez e segurança, a fim de permitir que o pedestre utilize a calçada para circular com segurança, conforto e facilidade, já que este é o único trecho da via a que ele tem direito.
Referências Bibliográficas
Setra - Les Voies Urbaines - Guide Technique, 1975
Hall, Edward T. - The hidden dimension - A Fawcett Premier Book - 1966
Pushkarev, Boris S. e Zupan, Jeffrey M. - Urban Space for Pedestrians- Regional Plan Association,
1975
Sommer, Robert - Espaço Pessoal - Coleção ciências do comportamento - Editora Pedagógica e
Universitária Ltda. e Editora da Universidade de São Paulo - 1973
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Autora: Maria da Penha N.C. Boucinhas