Lesões em pernas e braços são as causas mais frequentes de invalidez permanente
Entrevista do Dr. Marcio Norton, diretor de Relações Institucionais da Seguradora Líder
Perdas em membros inferiores e superiores representam 37% das indenizações por invalidez pagas pelo seguro DPVAT de janeiro a maio de 2011. Acidentes com motocicletas são a causa de 65% dos casos de invalidez.
Marina Lemle
O aumento do número de motocicletas no Brasil vem alterando o quadro da vitimização no trânsito no país. No primeiro semestre de 2011, 65% das indenizações por invalidez pagas pelo Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) foram para vítimas de acidentes envolvendo motos, que representam 27% da frota nacional de veículos. Em dez anos – de 2000 a 2010 – a quantidade de óbitos envolvendo motociclistas aumentou 64%, enquanto os casos de invalidez permanente, 274%. A frota de motos cresceu 315% na década.
“A frequência de mortes em acidentes de moto é maior, mas não tão maior. Já a invalidez permanente é assustadora em comparação aos acidentes com os demais veículos”, afirma Marcio Norton, diretor de Relações Institucionais da Seguradora Líder, empresa que administra o consórcio de 71 seguradoras responsáveis pelo pagamento do DPVAT.
De acordo com Norton, o crescimento da frota de motos nos últimos anos e o consequente aumento da acidentalidade é a principal causa do grande aumento das indenizações por invalidez. Em 2008, a invalidez permanente representava 32% das indenizações; em 2009, 46%; em 2010, 60%; e no primeiro semestre de 2011, chegou a 65%.
Ainda não existem dados específicos que mostrem quais lesões cresceram mais, mas os dados mais recentes da Líder, de janeiro a maio de 2011, mostram que as causas mais frequentes de invalidez permanente, somando 25,6%, são a perda anatômica ou funcional completa de um membro inferior (perna). Em segundo lugar figuram as perdas anatômicas ou funcionais completas de um dos membros superiores (braços), também muito comuns em acidentes de moto, com 11,31% de ocorrência. Em seguida, aparece a perda completa da mobilidade de um dos ombros, com 10,54%, a perda completa da mobilidade de um joelho, com 7,88%, e de um tornozelo, com 7,28%. Os demais casos, com menos de 5% de frequência, são de multiplos danos, como encurtamento de membro inferior mais lesão no braço.
“A maioria dos sinistros mais graves é de dano específico, como por exemplo a amputação de uma perna”, revela Norton. Segundo a Tabela para Cálculo da Indenização em Caso de Invalidez Permanente, em caso de perda completa do uso das duas pernas ou dos dois braços, a vítima tem direito a 100% do valor máximo do DPVAT – fixado em R$ 13.500,00 desde 2007. Já no caso da perda do funcionamento de um membro, seja inferior ou superior, o pagamento será de 70% deste valor – R$ 9.450,00.
Norton explica que a tabela de acidentes pessoais, do Conselho Nacional de Seguros Privados, foi muito questionada na Justiça por “retalhar o corpo humano em pedaços”. A tabela antiga tinha 49 itens com 15 percentuais. Foi feito então um estudo para comprimir a tabela, que ficou com 16 itens e cinco percentuais básicos. Na antiga, se uma pessoa perdia a visão dos dois olhos, recebia 100% do seguro; se perdia a de um, 30%. Pela nova, a pessoa que perde um olho recebe 50%. Na antiga, se o acidente provocava o encurtamento de uma perna, a pessoa recebia 10%, desde que o encurtamento tivesse sido de mais de três centímetros. Na atual, basta a pessoa necessitar usar um sapato com um salto maior que o outro para que se pague o percentual do seguro. A perda do baço, que antes não era indenizada, hoje é.
“Essas mudanças, junto com o aumento dos acidentes de moto, provocaram um aumento assustador no pagamento dos sinistros”, conta. De fato, além do grande aumento no número de indenizações por invalidez, cresceram significativamente os valores médios das indenizações: em 2007, foram pagas 80.300 indenizações por invalidez no valor total de R$ 390 milhões, resultando num valor médio de R$ 4.860; em 2008, foram 89.500 indenizações, somando R$ 547 milhões e uma média de R$ 6.110; em 2009, 118.000 indenizações custaram R$ 881 milhões, ou R$ 7.470 em média; e, finalmente, em 2010, o número de indenizações atingiu 151.600 – numa despeza total de R$ 1.175 milhões e média de R$ 7.750. Ou seja, de 2007 a 2010, o pagamento médio por invalidez passou de 36% (R$ 4.860) para 57% (R$ 7.750). Diante desse quadro, impõe-se a questão: os acidentes estão ficando mais graves?
“Pedimos a médicos que identifiquem as lesões provocadas em acidentes com motos, que são mais graves. Supõe-se que a maior parte das lesões atinjam ossos longos - braços e pernas - e crânio, principalmente no Nordeste e no interior do Brasil, onde a fiscalização é menos rigorosa e as pessoas usam menos capacete. Traumas na coluna e na bacia também são comuns“, diz.
Nos acidentes com motos, 74% das vítimas são os próprios motoristas, enquanto pedestres e passageiros são vítimas em 26% - 13% cada. "Agora, com o aumento do número de mototaxis, o número de passageiros vítimas poderá aumentar", alerta Norton. Os outros 73% da frota do país, compostos por automóveis, taxis, ônibus, caminhões, pickups etc, somam 35% das indenizações. Nos ônibus, os motoristas são vítimas em cerca de 10,11% e nos demais, 25%, sendo o restante das vítimas pedestres ou passageiros.
Para aprofundar o conhecimento sobre o problema, a Seguradora Líder criou um departamento de estatística e, segundo Norton, fará contato com entidades de médicos como a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) e associações de médicos regionais, como a Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), que tem um grupo que estuda as vítimas de acidente internadas, avaliando quantos saem curados, quantos inválidos e quantos com sequelas. Esses dados complementarão os que hoje são disponibilizados pelo poder público, que são limitados: o Ministério da Saúde acompanha apenas os primeiros 30 dias de internação, e nem todos os municípios registram bem os dados.
"É importante levantar os dados e divulgar as informações para sensibilizar a população", defende Norton.
Uma conta que não fecha
Além dos prejuízos ao corpo e à vida das vítimas, a sociedade deve se conscientizar sobre os custos financeiros que os acidentes podem causar às famílias. Para as vítimas que não têm plano de saúde e dependem inteiramente do DPVAT, o valor pago pelo seguro - que não aumenta desde 2007 -pode ser irrisório se comparado aos custos que terão pela frente, às vezes pelo resto da vida.
O valor máximo pago pelo DPVAT hoje corresponde a 24 salários mínimos. Quando foi instituído, em 1974, pela Lei 6.194, a indenização prevista era de 40 salários mínimos e a verba para despesas, de oito salários mínimos. O artigo 3 da lei atrelava a valoração das indenizações do seguro ao maior salário mínimo vigente no país. Isso representaria hoje R$ 21.800 e 4.360, respectivamente - o que significa 61,5% a mais do que os R$ 13.500 e R$ 2.700 pagos desde 2006, estipulados pela Medida Provisória 340 e confirmados pela Lei n° 11.482 de 2007.
De acordo com o diretor da Seguradora Líder, entretanto, a história não é bem assim. Do ponto de vista legal, segundo ele, esse atrelamento ao salário mínimo só durou quatro meses, porque em 1975 outra lei determinou que nada poderia ser indexado pelo salário mínimo, a não ser a Previdência, “que está quebrada”. Por outro lado, Norton reconhece que a lei não foi clara em revogar as anteriores. “Ficou um marco legal confuso, o que resultou em uma enxurrada de ações na Justiça. Mas a Constituição de 1988 ratificou que não se pode indexar ao mínimo”, afirma.
Norton reconhece que os valores deveriam ser maiores, mas explica que, para aumentá-los, seria preciso repassar a conta para os proprietários de veículos, aumentando o valor do seguro obrigatório, cobrado anualmente junto com o IPVA. O valor da taxa varia entre cerca de R$ 100 e R$ 400, dependendo do tipo do veículo. Ele explica que o valor do seguro não está relacionado à inflação, e sim à massa necessária para bancar as indenizações, incluindo as reservas necessárias para os anos seguintes, e acrescenta que a Líder está discutindo os valores com a Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que funciona como órgão fiscalizador da área.
Do total arrecadado dos contribuintes, 45% vão para o Ministério da Saúde para custear o atendimento às vítimas de trânsito, 44% para pagar as indenizações, 5% para programas de prevenção a acidentes, 4% para pagamento de pessoal e 2% vão para as seguradoras consorciadas à Líder. Segundo Norton, desses 2% brutos são retirados impostos, restando 1,2% líquidos. Todo dinheiro que sobra vai para um fundo de reserva. Nos últimos dois anos, devido ao aumento do número de indenizações pagas, foi necessário resgatar recursos do fundo de reserva, conforme pode se conferir nas tabelas de 2010 (resultado operacional de - 2,8%) e 2009 (- 0,9%).
“No melhor dos mundos, o ideal seria a acidentalidade reduzir e a inadimplência – hoje em torno de 23% - diminuir”, afirma. Segundo ele, a inadimplência já foi maior e vêm diminuindo, e é grande principalmente nas regiões onde a fiscalização é mais falha. O combate às fraudes, “para separar o joio do trigo”, também está sendo aprimorado, desbaratando quadrilhas que se aproveitam da ignorância das pessoas e fraudam as famílias dos acidentados. “Mas o principal é mesmo reduzir a acidentalidade em 50%, como se pretende na Década de Ação pelo Trânsito Seguro. Aí a reserva terá gordura e as indenizações poderão ser aumentadas sem repasse”, calcula.
Norton garante que interessa muito às seguradoras estimular as campanhas para reduzir a violência no trânsito, uma vez que com menos acidentes, os seguros privados podem reduzir de preço e com isso mais gente poderá fazer seguros. Só 25% da frota no país têm seguro. E, no caso do DPVAT, se houver redução no valor cobrado, a inadimplência vai cair.
Outro fator que contribui para o aumento das indenizações por invalidez é o fato de que as vítimas têm até três anos para reclamar o DPVAT, o que é necessário porque às vezes a pessoa ainda está em tratamento e ainda não foi caracterizada a sequela permanente. Já a seguradora tem até 30 dias para pagar. Assim, os dados atuais incluem sinistros de até três anos atrás, que estão sendo pagos agora, ainda com os valores da tabela antiga.
Em 2010, foram pagos R$ 2,296 bilhões em indenizações por morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas e hospitalares, em favor de mais de 252 mil vítimas de acidentes de trânsito ou a seus beneficiários. Esse valor foi superior em R$ 262 milhões (13%) ao montante pago em 2009. Nos últimos 5 anos (2005-2010) houve um aumento de R$ 1,480 bilhão nas despesas com indenizações, o que equivale a um crescimento de 181%.
De acordo com Norton, dois terços dos acidentes com vítimas ocorrem em rodovias e um terço em áreas urbanas. Os prejuízos ao país com acidentes de trânsito são da ordem de R$ 31 bilhões por ano, somando fatores como a conta da invalidez precoce ao INSS e os danos materiais envolvidos nos acidentes. Deste total, segundo ele, só R$ 2 bilhões são do DPVAT.
“Quantos hospitais, metrôs, faculdades e outros investimentos poderiam ser feitos com estes recursos? O prejuízo é espantoso. O acidente não é uma força da natureza que não podemos controlar. Ele é resultado do nosso comportamento, da imprudência, da embriaguez ao volante, do excesso de velocidade. Por isso, quem trabalha com estatísticas deve dividir as informações com a sociedade. Jovens ficam marcados para o resto da vida, é preciso causar comoção na sociedade. Os valores nos incomodam, mas o problema tem que ser resolvido com menos acidentes”, enfatiza.
Mais informações:
Seguradora Líder/DPVAT - Boletim estatístico do primeiro semestre de 2011